Parte da base de Lula não quer a CPI dos atos antidemocráticos; veja os motivos

Política

Comissão voltou a ser discutida após novo compromisso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Aliados do governo questionam pertinência e dizem que não há razão para investigação.

A instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado para apurar os ataques golpistas ocorridos em Brasília voltou à pauta política nos últimos dias. A base do governo no Congresso, porém, diverge sobre a pertinência e a necessidade da comissão.

O presidente reeleito do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu na última quarta-feira (1º) que há viabilidade regimental para a abertura da CPI. Segundo ele, o assunto seria levado à discussão com as lideranças da Casa, que definiriam o “momento” e a “conveniência” da comissão.
Um dia depois foi a vez do senador Marcos do Val (Podemos-ES). Ele narrou à imprensa uma suposta reunião com Jair Bolsonaro (PL) e o ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) para discutir um plano golpista com o objetivo de contestar as eleições presidenciais de 2022.
Veja ponto a ponto as versões já apresentadas por do Val sobre reunião com Bolsonaro em que teria sido discutido plano de golpe
Enquanto fazia alterações na versão original do relato sobre o encontro, o senador estabelecia sigilo em alguns detalhes, os quais, de acordo com ele, seriam secretos e somente poderiam ser revelados em uma eventual CPI.
Apesar da retomada do tema, partidos da base do governo ainda não fecharam posição sobre a conveniência de uma apuração parlamentar sobre os ataques às sedes dos Poderes.
Rejeição à CPI
Posições individuais de lideranças dessas siglas apontam para uma rejeição à CPI e um alinhamento ao posicionamento do governo federal.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os ministros Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) e Flávio Dino (Justiça) já se manifestaram contra a comissão.

Já o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), assinou, junto com outros 47 senadores, o requerimento de criação da CPI dos atos antidemocráticos apresentado pela senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS).
Hoje, ele é um dos que não mantêm o apoio à comissão de inquérito.
Contarato afirmou que a análise feita por ele não leva em conta as declarações de membros do governo federal.
Segundo ele, assinar o requerimento de criação da CPI, um dia após as invasões às sedes dos Três Poderes, foi uma forma de mostrar que o Poder Legislativo não se dobraria aos vândalos.

“A abertura de uma CPI é justificada quando não há funcionamento das instituições, como o que presenciamos na CPI da Covid. Naquela ocasião, se não houvesse CPI, o governo não compraria vacinas. O cenário é diferente hoje. As instituições estão operando, estão investigando o que aconteceu, estão prendendo. Não há mais objeto, não há mais motivo para justificar a CPI hoje”, disse.
O líder avaliou que a comissão “pouco poderia avançar” além do que já foi investigado e disse acreditar que, neste momento, uma CPI teria potencial destrutivo – não para o governo, mas para a população brasileira, ao desviar o foco de pautas que o Congresso precisa discutir.
A mesma análise é feita pelo líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR).
“A comissão é desnecessária. Vai na contramão do que acabamos de concretizar no dia 1º [com a recondução de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Casa]”, disse.
“CPI vira luta política, não precisamos disso agora. Precisamos retomar o crescimento do país, acabar com fome, controlar a inflação. Só teria sentido [instalar uma] CPI se o Ministério Público, o Judiciário e as polícias não tivessem cumprindo seu papel”, afirmou.
Outros dois senadores petistas – Paulo Paim (RS) e Teresa Leitão (PE) – disseram que devem seguir um eventual posicionamento da bancada da sigla na Casa. Paim é um dos petistas que apoiaram o requerimento de Soraya Thronicke.

“Com CPI ou sem CPI, os golpistas terão que responder pelos seus atos de barbárie”, disse Paim, que não vê possíveis prejuízos políticos ao governo Lula com a instalação da comissão.

Sem posicionamento
Novo líder do PSB no Senado, Jorge Kajuru (GO) afirmou que ainda não há um posicionamento oficial do partido sobre o tema. Ele disse ter convocado uma reunião da bancada do partido para discutir um alinhamento na próxima segunda-feira (6).
“Tenho que pensar muito bem, porque essa CPI é muito partidária. É muito egoísta, ela não é Brasil”, declarou.
O senador Weverton (PDT-MA) consta da lista de apoiadores da proposta de Soraya Thronicke. Ele disse, no entanto, ter se enganado quanto à assinatura. Ao g1, afirmou que não apoia a ideia.

“Acho que não tem como avançar. Pode ter efeitos ruins para o trabalho do Congresso neste momento”, afirmou.
Defensores
Do outro lado, e em defesa da CPI, estão, por exemplo:
o líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), e o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Os dois assinaram o requerimento de abertura da CPI.
Otto Alencar afirmou que, mesmo com os posicionamentos recentes de membros do governo, seguirá com o apoio à comissão. Ele disse, porém, que a “instalação passa por uma reunião dos líderes com o presidente Rodrigo Pacheco”.
Renan também não retira o apoio. Ele defende que o Legislativo também exerça o papel de investigação.
Viabilidade regimental
O requerimento da comissão para apurar a organização, o financiamento e autoria dos ataques em Brasília foi apresentado pela senadora Soraya Thronicke a poucos dias do término dos trabalhos legislativos.
A abertura da apuração parlamentar começou a ser articulada por parlamentares no dia seguinte à invasão de radicais bolsonaristas aos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo a equipe de Soraya Thronicke, 48 senadores assinaram o pedido. Desses, 12 perderam o mandato.
Critérios para a abertura da CPI: de acordo com o regimento do Senado, o requerimento deve ser assinado por, no mínimo, 27 senadores – um terço dos 81 que compõem a Casa. Na sequência da coleta de apoios, para ser considerada oficialmente criada é necessário que o presidente do Senado leia o requerimento em plenário – o que Pacheco se comprometeu a fazer.

Há, no entanto, discussão sobre a viabilidade das assinaturas coletadas pela senadora antes do início dos trabalhos legislativos.
A assessoria da senadora afirmou que realizou consulta à Secretaria-Geral da Mesa (SGM) do Senado, órgão responsável por, entre outras coisas, assessorar a direção do Senado no desempenho das atividades, e que recebeu aval para seguir com o requerimento atual.
Ainda de acordo com a assessoria de Soraya, a SGM afirmou que somente seriam desprezadas as assinaturas de senadores que perderam o mandato, totalizando, portanto, 36. Para a senadora, não há impedimento para a leitura em plenário.
O líder do PT no Senado discordou da interpretação feita pela SGM.
“Espero que o presidente Rodrigo Pacheco siga pela ética e pelo bom senso, e abra um prazo para ratificação das assinaturas colhidas”, disse.

Fonte: G1