Além do valor de R$ 79 milhões e da quantidade de herdeiros — seis filhos vivos — a herança de Pelé também chama a atenção para o fato de Márcia Aoki, viúva do ex-jogador, não ser herdeira por direito. Isso se dá porque existem imposições legais àqueles que se casam após os 70 anos.
De acordo com o Código Civil brasileiro, a viúva de Pelé não tem direito automaticamente ao patrimônio adquirido por ele. O ex-jogador casou-se com Márcia, sua terceira esposa, aos 75 anos de idade.
A legislação brasileira determina que uma pessoa não pode escolher o regime ao se casar nessa fase da vida, sendo obrigatória a separação de bens. Isso significa que o patrimônio adquirido antes e durante o casamento é exclusivo de cada cônjuge e que não há direito à herança caso um deles morra.
Isso não significa, necessariamente, que a viúva ficará sem nada, já que, em tese, há outras formas de destinação do patrimônio.
Ao UOL, a advogada Laísa Santos, especializada em planejamento patrimonial e sucessório pela Fundação Getúlio Vargas, explica que a norma, vigente desde 2003, tem como objetivo impedir o casamento por viés estritamente econômico, conhecido popularmente como “golpe do baú”.
Segundo ela, a imposição de um regime de separação obrigatória de bens às pessoas com mais de 70 anos é uma “intromissão indevida do Estado na vida íntima dos indivíduos”.
Fere a autonomia e a liberdade da pessoa que se casa nessa idade. O fato de completar 70 anos, por si só, não deveria significar incapacidade de escolha e impossibilidade de praticar atos civis, principalmente na questão patrimonial das relações afetivas.” Laísa Santos, advogada
Para Tatiana Alves Raymundo Lowenthal, advogada da área cível, “a lei acaba tentando proteger uma situação de exceção [interesse financeiro] como se fosse uma regra”.
Um relacionamento pressupõe que ambos os envolvidos estão construindo uma vida e talvez até um patrimônio em comum. Essa circunstância não pode ser afastada apenas pela premissa da idade.” Tatiana Alves Raymundo Lowenthal, advogada
Laísa afirma ainda que a defesa de Márcia poderia argumentar que há uma suposta inconstitucionalidade do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que obriga o regime de separação de bens em casamentos como o que ela teve com Pelé. “Poderia dizer que presumir a incapacidade de decidir sobre o patrimônio por causa da idade fere os princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana, além de escancarar uma discriminação aos idosos”, indica.
Já Tatiana reforça que o debate também pode passar pela necessidade de demonstrar que Pelé tinha plena consciência quando decidiu estabelecer seu relacionamento com Márcia.
Ações correm na Justiça com o objetivo de abrir exceção nesta obrigatoriedade da separação de bens. Em novembro de 2022, o assunto também chegou para análise do STF (Supremo Tribunal Federal).
Fonte: UOL