Defensora Luciana Vieira e sua sócia, Lillian Moretti, representam cinco safristas encontrados em condições degradantes em um albergue em Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul.
O pagamento das verbas rescisórias e o retorno à terra natal não puseram fim aos problemas enfrentados pelos trabalhadores resgatados em situação semelhante à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul. De acordo com a advogada Luciana Vieira, que representa cinco safristas, o medo de possíveis represálias tem pautado os dias após a saída do alojamento em que foram encontrados em condições degradantes.
”Estão, de fato, muito assustados. Eu não tenho como descrever o trauma que esses homens sofreram. Eu só consigo dizer que tá sendo muito doloroso. Apesar de estarem na cidade deles, com a família, o medo ainda persiste. O abalo psicológico é evidente”, afirma a advogada.
Em manifestação anterior, o advogado Augusto Werner, que defende a Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA, disse que “não aceitamos qualquer tipo de trabalho ilegal” e que “mantém aberto canal de conversação para instituições que quiserem comprovar que não há irregularidades na nossa empresa”. A empresa oferecia mão de obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton.
Em razão da questão emocional, a defensora explica que, neste primeiro momento, está priorizando o acolhimento dos trabalhadores para depois resolver a parte burocrática. Segundo ela, há relatos de insônia e de imunidade baixa. Outros têm adotado o silêncio.
”Não querem mais falar. Um deles chegou sem celular, porque quebraram. Ele ficou uns dias sem, adquiriu um novo, mas já está pensando em trocar o número, porque não quer que as pessoas entrem em contato com ele”, relata a defensora.
Conforme Luciana, os homens desconfiam que policiais militares tenham participado das agressões que sofreram e presenciaram. Ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), alguns trabalhadores relataram terem ficado sujeitos a violência com cassetetes, choques elétricos, spray de pimenta e cárcere privado. A Corregedoria da Brigada Militar (BM) investiga a suspeita.
empresa
O empresário Pedro Augusto Oliveira de Santana, responsável pela contratação dos trabalhadores terceirizados que foram resgatados do trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, já foi autuado por irregularidades trabalhistas – entre elas, alojamentos para trabalhadores que foram interditados.
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Santana tinha outra empresa, criada em 2012, chamada Oliveira & Santana, que foi autuada 10 vezes por irregularidades trabalhistas.
Os alojamentos onde os trabalhadores ficavam também chegaram a ser interditados. Apesar disso, nenhuma situação análoga à escravidão foi flagrada. A empresa chegou a ter 206 funcionários e fechou em 2019.
Conforme o MTE, a Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA foi criada em janeiro de 2019. Ela está em nome de uma mulher, e Santana trabalhava como administrador.
De acordo com Ana Lúcia Stumpf González, procuradora do trabalho em Caxias do Sul, a mulher no nome de quem está registrada a empresa é uma funcionária de Santana. O endereço em que a empresa diz estar sediada é de uma igreja, o que ainda está em investigação pelo MPT.
O empresário de 45 anos, natural de Valente, na Bahia, chegou a ser preso, mas vai responder pelo crime em liberdade porque pagou fiança no valor de R$ 40 mil.
Sobre Santana, o MTE disse que ele atua em Bento Gonçalves há cerca de 10 anos, sempre contratando pessoas, inclusive de outros estados, para trabalhos nas colheitas de frutas, em aviários e de carga e descarga. Os serviços eram oferecidos para vinícolas e produtores rurais, tudo com nota fiscal.
A Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA não havia sido fiscalizada pelo MPT até a operação de resgate dos trabalhadores.
Condições de trabalho
Sobre as condições do regime de trabalho, uma das pessoas resgatadas disse que acordava às 4h30 porque funcionários do empregador começavam a bater nas portas dos quartos. Que, nesses momentos, era comum que eles sofressem agressões psicológicas dos empregados, com gritos e xingamentos. Choques elétricos seriam usados para obrigar os trabalhadores a sair da cama para ir trabalhar.
Outro trabalhador contou ter sofrido agressões físicas dos funcionários. Ele levou tapas no rosto de um segurança porque teria quebrado um armário no alojamento. Colegas dele contaram ter sofrido golpes de cassete, soco e com cadeiras, além de ameaças de morte.
Sobre as condições do alojamento, os trabalhadores disseram conviver com abelhas e marimbondos. Era normal que fossem picados pelos insetos e, quando pediam remédios, eram ignorados.
Houve relatos de preconceito devido ao estado de onde parte dos trabalhadores vieram. Um deles contou que, dentro do ônibus que levava os homens para a colheita, um suposto policial teria dito que não gostava de “trabalhador baiano”. Ainda, que “se dependesse dele, matava todos”.
Fonte: G1