A força comunicacional de Jorge Mario Bergoglio está na transformação de seus sinais corporais em uma proposta de pontificado construída pela proximidade através de palavras, olhares e contato, seja ele físico ou mediado por redes sociais digitais.
Vatican News
Era 13 de março de 2013, a Praça de São Pedro estava repleta de pessoas e a mudança significativa, observada pelas câmeras de veículos de comunicação de todo o mundo, estava na quantidade de celulares que registravam um momento histórico para a Igreja Católica: o anúncio do novo Papa depois da renúncia de Bento XVI.
Na era da comunicação tecnológica, a fumaça branca que saía da Capela Sistina era transmitida pelos perfis nas redes sociais digitais de pessoas comuns, desejosas de ver o novo Sucessor de Pedro. Naquela noite, quando Bergoglio se apresenta na sacada, já como Papa e assumindo o nome de Francisco, a multidão é absorvida pelos segundos de silêncio antes de sua primeira frase: Irmãos e irmãs, boa noite! Neste momento, é empregado uma saudação normal, mas, ao mesmo tempo, surpreendente. O “Boa noite”, cheio de simplicidade, cala a Praça de São Pedro e o mundo que assiste pelos meios de comunicação mais potentes, a singeleza do cumprimento de alguém que se faz próximo, do mesmo modo que se aparenta como revolucionário. A sensação é de que algo tenha mudado, não somente porque o novo pontífice é jesuíta ou o primeiro chefe da Igreja Católica vindo da América do Sul. Na singularidade daquela expressão, talvez uma das mais coloquiais que se tenha, o mundo será surpreendido pelos sinais que logo se seguirão, especialmente o curvar-se para, numa Praça repleta, mas em silêncio, pedir a oração de todos os que acompanhavam pelo início de seu ministério.
Para Marcello Zanluchi, doutor em Comunicação e Semiótica e autor da pesquisa “Papa Francisco: uma encíclica viva de gestos e imagens”, a percepção mundial sobre o novo pontífice mudou a partir daquela apresentação na sacada da Basílica de São Pedro. “Um evento histórico, como é a eleição de um Papa, também se transforma em um evento midiático, que realiza mudanças não só na opinião pública, mas no comportamento das pessoas, da geografia social e na agenda e orientação das instituições. Portanto, se pode afirmar que, do dia 13 de março em diante, a percepção mundial mudou, principalmente pelos gestos e imagens de Francisco, não só na forma, mas na substância”.
Segundo Zanluchi, é um pontificado caracterizado pelo contato direto, de um Papa que se encontra e se deixa encontrar e que sabe utilizar da mídia primária, o corpo, para comunicar; mas sobretudo, consegue transpor essa mídia para a era tecnológica. “Francisco é um líder religioso, cujo olhar não está inclinado a uma massa indistinta, mas que fixa sua atenção em pessoas, compartilhando seus gestos, abraços e sorrisos personalizados. Acrescenta o fato de que Bergoglio utiliza, pela oralidade, sua capacidade de falar, usando uma linguagem metafórica, para se conectar com seus interlocutores. Por conta disso, sua comunicação tende a ser, imediatamente, eficaz. É essa comunicação voltada às pessoas que traz uma abertura, de parte midiática, ao papado de Francisco e, consequentemente, à visibilidade institucional da Igreja Católica. Essa atenção dada pelos meios a Francisco, sobretudo, é originária de sua capacidade de inserir uma imprevisibilidade em seus atos previsíveis de líder religioso. Um silêncio, um gesto, uma imagem ou expressão do Papa colocam a mídia na condição de dever acompanhá-lo”, sugere Zanluchi.
Sentir, ver e ouvir como comunicação nos 10 anos de pontificado
Foi com a criação do Dicastério para a Comunicação, reunindo as mídias vaticanas num mesmo organismo, que se percebeu que todo o aparato comunicacional do Vaticano está centrado em promover a cultura do encontro, promovida pelos gestos e imagens de um pontífice que recria significações a partir de suas atitudes cotidianas. Mais que um divulgar de discursos, a força dos veículos de comunicação está na figura do líder máximo dos católicos.
Durante sua atuação no Dicastério para a concretização da pesquisa, Zanluchi percebeu a intenção de mostrar uma Igreja mais próxima, uma nova forma de religiosidade que se se dá pelos meios e através do imagético. “O critério importante é a mensagem, em suas diferentes narrativas. As pessoas esperam ver o Papa sendo Papa. Francisco está sempre voltado a alguém e, se analisarmos a maior parte das fotos publicadas, poderemos ver que o Papa Francisco está dando a mão a alguém, acariciando alguém, beijando alguém, escutando alguém com atenção. Ou seja, está sempre voltado ao outro, sempre aberto às relações: com as pessoas que estão à sua frente, com o público que está à sua frente ou mesmo recolhido em oração com seriedade”, destaca o pesquisador.
Outro ponto da pesquisa ressalta a figura do Papa num momento em que as imagens assumem importância no contexto institucional e social. “No caso de Francisco, que age como Sumo Pontífice em um período em que as imagens são assim relevantes, ele se dá conta que seus gestos habituais, aqueles que fazia como sacerdote e como bispo, hoje podem alcançar todo o mundo e, portanto, não tem problema em ser registrado saudando os doentes ou ou mais necessitados. Assim, um gesto cristão sincero e autêntico de misericórdia e ternura, cotidiano, a partir das imagens, se transformam em ocasião de testemunho cristão e de evangelização”, ressalta Zanluchi.
Não por acaso, a conta @Franciscus, da rede social Instagram, administrada pelo Dicastério para a Comunicação, torna universal a imagem do Papa Francisco, a partir da sua corporeidade e proximidade. Na pesquisa, Zanluchi observou que os gestos perpetuados em imagem ganham um novo valor simbólico neste pontificado. “A imagem do Papa que abraça um doente tem a potência de atingir um valor simbólico e passa a ser um abraço a cada pessoa enferma nos vários cantos do mundo. Isso se percebe de maneira repetida nos comentários dos seguidores nas contas do Twitter e Instagram. Tendo o Papa como exemplo, as redes sociais do Vaticano tentam ser vizinhas às pessoas que as seguem, a seus interesses, às suas preocupações, seja nas temáticas tratadas como nos modos de contá-las”.
Nestes 10 anos, segundo a pesquisa, se pode observar que o Papa Francisco, a partir de suas escolhas, estrategicamente assume uma postura de proximidade, entendendo que a base da comunicação começa e termina no corpo. Dessa maneira, a mensagem evangélica assume uma característica das primeiras comunidades cristãs. “Os gestos concernentes à comunicação demonstram uma vontade de se comunicar o Evangelho, não de maneira contrária aos pontificados precedentes, mas que pela linguagem gestual e oral fundamental a mensagem cristã contida nas Sagradas Escrituras, no Magistério e na Tradição da Igreja. Antes, é uma maneira diferente, utilizada com metáforas, humor e proximidade com seu público. Francisco não fala apenas aos fiéis católicos, mas sabe construir uma agenda em que os meios também se verguem para cobrir seus gestos que, longe de um ato protocolar, são transformados pela “eventização” do seu cotidiano”, destaca Zanluchi.
Um ponto importante e que se torna latente é que Papa Francisco comunica pela sua presença. Ou seja, seu corpo possui uma capacidade ímpar de fazer presença e ser meio para a mensagem chegar a todos, inclusive seus gestos, muitas vezes, sublinham mais qualquer discurso ou documento. “Francisco apresenta um cristianismo não por proselitismo, mas por atração. Como mencionado, sua comunicação não é pra massa, mas é sinodal, participativa, de favorecimento da cultura de ouvir, personalizada. É um pontífice que vê nos gestos, no tato, uma forma de se comunicar com uma contemporaneidade mais distante do contato humano. Francisco é um Papa digital, mas que não preenche espaços. Antes, abre processos para que haja uma aproximação do encontro, com fundamento de um cristianismo de contato e não de aparência. Um ser religioso que busca a transcendência pela inclusão, com estilo humano, capaz de evangelizar a sociedade em que vivemos”, pontua Zanluchi.
Fonte: Vatican News