Fome e sede: a vida das crianças indígenas em deserto na Colômbia

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Em La Guajira, onde 67,4% da população vive na pobreza, taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos é segunda maior do mundo.

Após quase 24 horas de viagem pelo deserto de La Guajira, os médicos conseguiram salvar a vida da pequena Rosalinda, que chegou à emergência de um hospital apresentando estado de desnutrição, uma condição que mata quase 100 crianças por ano nesta região remota no extremo norte da Colômbia.
A menina de apenas dois anos passou dias com os sintomas de vômito e diarreia. Ao chegar à unidade hospitalar, os enfermeiros a hidrataram através de um acesso venoso em seu pulso.
“Ela chegou muito mal. Era como carregar um pano”, diz sua mãe, Magalis Iguarán.
Depois de cinco dias na Unidade Materno-Infantil Talapuin em Uribia, Rosalinda já estava sentada e pedindo comida. “Quando chegou, não queria nem água”, lembra a mãe. “Eles a salvaram.”
Iguarán relata que a fome afeta o dia a dia de sua família.
“Só como duas vezes por dia: no café da manhã, arepa com queijo e, às vezes no almoço, arroz com pedacinhos de carne. Comida para cinco pessoas é caro”, afirma ela, que tem outros três filhos.
Além da falta de água e da corrupção, a pobreza afeta 67,4% da população de La Guajira, que é majoritariamente indígena da etnia wayúu. Na região, a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos foi de 21 a cada 1 mil nascimentos em 2021, segundo estatísticas das autoridades.

O número é superado apenas pela Síria, onde o número é de 22, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Mais de 300 mortes
Karen Toncel, pediatra que atendeu Rosalinda, explicou que a pequena chegou ao hospital com emagrecimento agudo por diarreia, atraso em seu crescimento e desnutrição aguda moderada.
Toncel atende a até dois casos como este por dia. Semanalmente, um deles é considerado “crítico” e precisa ser encaminhado para terapia intensiva.
“Fatal posso dizer que tem um ou dois pacientes todo mês, dobramos a mortalidade no país”, diz Toncel. “Quase 100% são da população wayúu.”
Pelo menos 20 crianças morreram de desnutrição em La Guajira durante os primeiros quatro meses do governo de Gustavo Petro, eleito em 2022. Com pouco menos de meio ano no comando do país, o presidente admitiu que este é seu primeiro “fracasso”.

De acordo com a Defensoria Pública da Colômbia, 308 crianças morreram de fome no ano passado (85 em La Guajira), 111 a mais que em 2021.
Água de ‘jagüey’
A escassez afeta toda esta região, que está no ponto mais setentrional da América do Sul, às margens do Caribe. Com dezenas de milhares de aldeias dispersas, na área está parte da comunidade indígena malirachon, onde a fome também é uma realidade.
Das 22 crianças da comunidade, duas estão em risco.
“Sinto pena do menino, ele está doente”, diz Sandra Epieyú, mãe de uma das crianças. Ela é uma tecelã e fala a língua wayuunaiki.
Em sua cabana de madeira, ele queima lenha para cozinhar a chicha, bebida à base de milho que compõe grande parte de sua alimentação. O marido leva o artesanato para a capital do estado, Riohacha, e recebe entre 8 e 10 dólares por semana.
“Às vezes compro arroz e feijão vermelho. A carne é cara”, afirma ela.
Cerca de 15 famílias vivem naquela região sem água potável e devem caminhar até o moinho de água vizinho. Epieyú, que não pode carregar galões por conta da gravidez, admite que às vezes se abastece dos “jagüeys”, enormes poças de água da chuva onde os animais bebem.

Segundo Evasio Gómez, liderança indígena local, o Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar do estado está ciente do caso Epieyú e lhes envia um suplemento alimentar que não chega há semanas.
A chefe da entidade pediu demissão no início de fevereiro, e sua sucessora, Astrid Cáceres, não pôde responder à uma entrevista com a AFP por ainda não ter tomado posse.

Temporadas políticas’
Um enorme tanque vazio fica ao lado da casa de Sandra. Ela contou que, em 2016, a prefeitura levava água de Riohacha para a região em um caminhão-pipa. Depois das eleições de 2019, no entanto, a água parou de chegar.

“Quero que nos [ajudem] como deve ser, e não por temporadas políticas”, diz Gómez.
A escassez afeta toda esta região com dezenas de milhares de aldeias dispersas. Em estradas não pavimentadas, mulheres com filhos carregam galões em bicicletas, burros ou a pé.
O ex-governador local José Ballesteros (2014-2015) está sendo julgado por desvio de dinheiro do programa alimentar das escolas, que fornecem comida para os maiores de cinco anos. Uma professora local que pediu para não ser identificada definiu as refeições como “precárias”.
Enquanto a situação não é resolvida, profissionais como a Nielcen Benítez trabalham na região. Ao pesar Wilmer Epieyú, que tem 7 anos e mede 75 centímetros, a nutricionista busca por sinais de alerta, como barriga inchada e cabelos descoloridos.
Epieyú não entra nas estatísticas de desnutrição infantil por ter passado dos cinco anos, mas pesa apenas 8 quilos. “Tem o peso de uma criança de um ano e meio”, diz Benítez. “É tão doloroso.”

Fonte: G1