Copom: entenda os recados do Banco Central sobre o futuro da taxa de juros

Economia

Comitê de Política Monetária decidiu nesta quarta-feira (22) manter a Selic em 13,75% ao ano. Para especialistas ouvidos pelo g1, tom do BC foi mais duro do que o esperado.

O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil, divulgado nesta quarta-feira (22), fez um alerta sobre a inflação e sinalizou que a taxa básica de juros (Selic) deve ser mantida em patamares elevados por algum tempo.
A decisão de manter a Selic em 13,75% ao ano já era esperada pelos agentes do mercado. A grande expectativa, no entanto, estava em torno do tom adotado pela autoridade monetária ao justificar a decisão — que, segundo economistas consultados pelo g1, acabou sendo mais duro do que o esperado.
Em declaração pouco depois da decisão do Copom, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse considerar “preocupante” o comunicado do Comitê.
“Eu considerei o comunicado preocupante, muito preocupante, porque hoje divulgamos relatório bimestral mostrando que nossas projeções de janeiro estão se confirmando sobre as contas públicas”, afirmou Haddad.

Os recados do Banco Central sobre o futuro da Selic
Segundo os economistas consultados pelo g1, o comunicado trouxe alguns recados importantes a serem considerados pelo mercado para a trajetória da Selic. Entre eles:

Incertezas fiscais ainda pairam sobre o país;
Houve aumento das expectativas de inflação para 2023 e 2024;
Não há perspectiva de corte de juros;
A conjuntura internacional é monitorada.
Entenda abaixo como cada ponto influenciou na decisão de manutenção da Selic por parte do Copom:
Incertezas fiscais ainda pairam sobre o Brasil
Uma das principais mensagens do Copom, segundo especialistas, foi que o governo ainda precisa caminhar com o quadro fiscal do país. No comunicado, o Comitê ressalta, por exemplo, que a recente reoneração dos combustíveis reduziu a incerteza dos resultados fiscais de curto prazo, mas ainda aponta preocupação com “horizontes mais longos”.
Para o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC Henrique Meirelles, o trecho chama atenção para as contas públicas. “Situação fiscal colabora para a inflação. Nesse caso, a reoneração diminui um pouco o déficit”, disse.

“Esse não é um movimento normal do que a gente costuma ver no documento, e significa que o mercado já precifica uma piora, com uma maior deterioração da inflação no longo prazo. Mesmo com o Banco Central não citando esses períodos, é importante fazer a observação de que ambos os documentos [tanto o Focus quanto o comunicado do Copom] levam esse cenário em consideração”, afirmou.
Não há perspectiva de corte de juros
Com o aumento das expectativas para a inflação e em meio às incertezas fiscais que continuam a pesar na política monetária, a leitura dos economistas é de que ainda não há espaço para um eventual corte de juros por parte do Banco Central.
De acordo com o economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, algumas partes do comunicado enfatizam esse posicionamento mais duro da autoridade monetária. A principal é quando o colegiado afirma que segue “vigilante” e avaliando se a manutenção da Selic por um período maior será capaz de assegurar a convergência da inflação.
No comunicado, o Comitê reforçou que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.
Além disso, o Copom também enfatizou que os próximos passos da política monetária poderão ser ajustados, destacando que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não aconteça como o esperado.

“Há uma deterioração adicional das expectativas de inflação, especialmente em prazos mais longos, além da avaliação de desancoragem das expectativas de longo prazo, que elevam o custo da desinflação, necessária para que as metas sejam atingidas”, disse Margato.
“Há uma série de elementos mais hawkish [duros] no comunicado e isso também deve ter uma repercussão entre atores políticos, de mercado e da sociedade como um todo”, acrescenta o economista.
Conjuntura internacional é monitorada
Por fim, o comunicado também menciona os recentes acontecimentos envolvendo os bancos nos Estados Unidos e na Europa, afirmando que esses episódios também corroboraram para elevar as incertezas e a volatilidade dos mercados, e que devem ser monitorados de perto pelo colegiado.
Além disso, outra ressalva que o BC faz é em relação ao cenário internacional, reiterando que a persistência inflacionária e os níveis de atividade e emprego seguem elevados, pressionando a trajetória da inflação global.
“Isso tem impedido que o Banco Central desconsidere qualquer coisa relacionada ao ciclo inflacionário que se segue nas economias globais e que também acabam pressionando a nossa atividade por aqui”, explicou a economista Ariane Benedito.

Tensão e expectativas do governo

A manutenção da taxa básica e o tom ainda duro do Banco Central vêm mesmo em meio a críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o atual patamar de juros.
A primeira manifestação do Copom após as Eleições de 2022 já tinha sido alvo de desaprovações por parte do presidente e seus aliados — caso que desencadeou uma crescente tensão entre Lula e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
No mesmo dia 6 de fevereiro, após a primeira decisão do Copom — e na esteira do tom adotado por Lula —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também reclamou do tom adotado pelo colegiado, avaliando que o comitê poderia ter sido “um pouco mais generoso” com o governo diante das medidas anunciadas em janeiro para melhorar as contas públicas.

Após a divulgação da ata da reunião do Copom (documento publicado na semana seguinte à decisão da taxa de juros), Haddad chamou o texto de “analítico” e “amigável”. “Veio melhor que o comunicado [divulgado na semana anterior]”, opinou.
Em entrevista ao programa Roda Viva, em fevereiro, Campos Neto ainda voltou a indicar a importância da agenda fiscal para a condução da política monetária, citando a reoneração dos combustíveis como um fator positivo para a inflação e para os juros.
No fim do mesmo mês, Haddad anunciou a volta dos impostos federais sobre a gasolina e o etanol. No Congresso Nacional, avançam as propostas do governo para a reforma tributária.
Outra sinalização de controle das contas públicas veio com a elaboração do novo arcabouço fiscal, que deve ser divulgado em abril, após viagem de Lula à China. O cenário, no entanto, não foi suficiente para amenizar o tom do Copom.

Fonte: G1