Por uma Páscoa em caminho sinodal

Igreja

A experiência sinodal é inspiração da preparação da Páscoa proposta pelo Papa na sua Mensagem para a Quaresma. Um caminho no qual Francisco propõe o desafio da escuta de Cristo e dos irmãos e das irmãs na Igreja.

Rui Saraiva – Portugal

É de ascese que nos fala o Papa na sua Mensagem para a Quaresma neste ano de 2023. Um texto que fita os olhos no caminho sinodal da Igreja e sublinha o esforço e o sacrifício como elementos essenciais desse itinerário a ser feito com o “Povo santo de Deus”. Francisco recorda, desde logo, que a ascese requer vontade e empenho porque o objetivo é um caminho, o caminho da cruz.

“A ascese quaresmal é um empenho, sempre animado pela graça, no sentido de superar as nossas faltas de fé e as resistências em seguir Jesus pelo caminho da cruz”, declara o Papa.

Esforço e sacrifício
Na sua Mensagem, o Santo Padre propõe “o evangelho da Transfiguração” como exemplo, e convida “a subir «a um alto monte» juntamente com Jesus, para viver com o Povo santo de Deus uma particular experiência de ascese”.

“Para aprofundar o nosso conhecimento do Mestre, para compreender e acolher profundamente o mistério da salvação divina, realizada no dom total de si mesmo por amor, é preciso deixar-se conduzir por Ele à parte e ao alto, rompendo com a mediocridade e as vaidades”, escreve o Papa.

Para Francisco “é preciso pôr-se a caminho, um caminho em subida, que requer esforço, sacrifício e concentração, como uma excursão na montanha”.

O Papa lembra o Sínodo que está em marcha na Igreja e sublinha que o esforço e o sacrifício “são importantes também para o caminho sinodal”. “Far-nos-á bem refletir sobre esta relação que existe entre a ascese quaresmal e a experiência sinodal”, frisa.

Juntos no caminho
Relevante na Mensagem de Francisco é o destaque dado à “experiência de graça” vivida “de forma compartilhada” num percurso feito “juntos pelo mesmo caminho”.

“Para o «retiro» no Monte Tabor, Jesus leva consigo três discípulos, escolhidos para serem testemunhas dum acontecimento singular; Ele deseja que aquela experiência de graça não seja vivida solitariamente, mas de forma compartilhada, como é aliás toda a nossa vida de fé”, refere o Papa.

Francisco salienta que todos somos “companheiros de viagem” pois vivemos “caminhando com aqueles que o Senhor colocou ao nosso lado”.

“À semelhança da subida de Jesus e dos discípulos ao Monte Tabor, podemos dizer que o nosso caminho quaresmal é «sinodal», porque o percorremos juntos pelo mesmo caminho, discípulos do único Mestre”, escreve o Papa.

Em processo sinodal
O Papa recorda na sua Mensagem que o “Evangelho narra que Jesus «Se transfigurou” diante dos discípulos. “O seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz».

“Os três discípulos recebem a graça de O verem na sua glória, resplandecente de luz sobrenatural, que não vinha de fora, mas irradiava d’Ele mesmo. A beleza divina desta visão mostrou-se incomparavelmente superior a qualquer cansaço que os discípulos pudessem ter sentido quando subiam ao Tabor. Como toda a esforçada excursão de montanha, ao subir, é preciso manter os olhos bem fixos na vereda; mas o panorama que se deslumbra no final surpreende e compensa pela sua maravilha”, escreve o Santo Padre.

Francisco assinala que “com frequência também o processo sinodal se apresenta árduo e por vezes podemos até desanimar; mas aquilo que nos espera no final é algo, sem dúvida, maravilhoso e surpreendente, que nos ajudará a compreender melhor a vontade de Deus e a nossa missão ao serviço do seu Reino”.

Na tradição da Igreja
Da experiência dos discípulos no monte Tabor, o Papa destaca o facto de “ao lado de Jesus transfigurado”, aparecerem “Moisés e Elias que personificam respetivamente a Lei e os Profetas”.

Para o Santo Padre estas duas presenças históricas na transfiguração do Tabor revelam que “a novidade de Cristo é cumprimento da antiga Aliança e das promessas; é inseparável da história de Deus com o seu povo, e revela o seu sentido profundo”.

Francisco assume, também aqui, uma analogia com o processo sinodal em curso considerando estar radicado na tradição da Igreja. Diz mesmo que a tradição inspira a novidade e recusa o imobilismo.

“O caminho sinodal está radicado na tradição da Igreja e, ao mesmo tempo, aberto para a novidade. A tradição é fonte de inspiração para procurar estradas novas, evitando as contrapostas tentações do imobilismo e da experimentação improvisada”, refere.

O Papa escreve ainda que “o caminho ascético quaresmal e, de modo semelhante, o sinodal, têm como meta uma transfiguração, pessoal e eclesial. Uma transformação que, em ambos os casos, encontra o seu modelo na de Jesus e realiza-se pela graça do seu mistério pascal”.

Escutar Cristo e os irmãos e as irmãs
Especial destaque para duas propostas de Francisco na sua Mensagem que são marca para o futuro da Igreja. O Santo Padre propõe dois desafios: escutar Cristo e escutar os irmãos e irmãs na Igreja.

“A primeira diz respeito à ordem que Deus Pai dirige aos discípulos no Tabor, enquanto estão a contemplar Jesus transfigurado. A voz da nuvem diz: «Escutai-O». Assim a primeira indicação é muito clara: escutar Jesus”, escreve o Papa.

Francisco salienta a importância da leitura e da escuta da Palavra de Deus e adverte para que “não a deixemos cair em saco roto”.

O Santo Padre propõe também a escuta dos irmãos e das irmãs na Igreja, algo “indispensável” para uma Igreja sinodal.

“Quero acrescentar ainda outro aspeto, muito importante no processo sinodal: a escuta de Cristo passa também através da escuta dos irmãos e irmãs na Igreja; nalgumas fases, esta escuta recíproca é o objetivo principal, mas permanece sempre indispensável no método e estilo duma Igreja sinodal”, escreve o Papa.

Francisco conclui a sua Mensagem salientando que “a Quaresma orienta-se para a Páscoa” e “prepara-nos para viver – com fé, esperança e amor – a paixão e a cruz, a fim de chegarmos à ressurreição”.

Para o futuro, o Papa faz votos de que sejamos capazes de ser “artesãos de sinodalidade na vida ordinária das nossas comunidades”.