Ministro Fernando Haddad afirmou que é preciso abrir a ‘caixa-preta’ de benefícios fiscais. Governo tenta aumentar arrecadação federal para reequilibrar contas públicas.
A equipe econômica tem trabalhado para aumentar a arrecadação federal como forma de reequilibrar as contas públicas.
Esse objetivo está na proposta do arcabouço fiscal – a nova regra para as contas públicas, que ainda tem de ser aprovada pelo Congresso Nacional (veja mais detalhes ao final desta reportagem).
Para equilibrar as contas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem mirado a reversão dos chamados “jabutis” – conteúdos estranhos, sem relação com o texto original de propostas votadas pelo Legislativo.
Haddad também tem defendido o combate de práticas que existem somente no Brasil, ou em poucos países mundo, que reduzem a arrecadação — apelidadas de “jabuticabas”.
O governo tem dito ainda que buscará reduzir os benefícios fiscais existentes, chamados de “gastos tributários”, que são renúncias de receita geradas com a redução de tributos promovida para compensar ou incentivar setores da economia e regiões do país.
Em audiência no Senado na última semana, Haddad defendeu a abertura do que chamou de “caixa-preta” dos benefícios fiscais. Ao mesmo tempo, a Receita Federal diz que conduz estudos sobre o assunto.
Segundo o ministro da Fazenda, a conta negativa dos jabutis e dos benefícios fiscais de empresas, considerados ilegítimos por Haddad, pode superar a marca dos R$ 500 bilhões.
Jabutis e Jabuticabas
Em abril, o ministro Fernando Haddad demonstrou preocupação com medidas aprovadas no Congresso que acabam resultando em perda de arrecadação pela União.
O ministro alertou que, em geral, essas aprovações ocorrem por meio de “emendas jabutis”, ou seja, emendas estranhas ao assunto principal do projeto.
Entre os jabutis citados por Haddad, está uma medida que resultou na perda de R$ 90 bilhões por ano em arrecadação. Isso porque uma emenda permitiu que as empresas abatessem incentivos fiscais concedidos por estados, via ICMS, da base de cálculo de impostos federais.
Na semana passada, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverteu a medida ao decidir que devem incidir impostos sobre determinados incentivos fiscais dados por estados a empresas.
No campo das “jabuticabas”, o governo tem sinalizado que busca acabar com benefícios que existem somente no Brasil, ou em outros poucos países. Para isso, porém, terá de obter apoio no Congresso Nacional.
Em janeiro, para elevar a arrecadação, o governo propôs o retorno do do voto de desempate a favor do Fisco nos julgamentos do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) – órgão colegiado responsável pelo julgamento de recursos de empresas multadas pela Receita Federal. Haddad tem dito que formato semelhante para esse conselho, beneficiando os contribuintes, não existe em outros países.
A equipe econômica também quer fechar brechas legais utilizadas por empresas nas vendas ao exterior para aumentar a arrecadação de impostos. O governo diz que algumas empresas exportadoras fazem triangulação em paraísos fiscais para recolher menos Imposto de Renda. A medida, que tramita no Congresso, pode elevar a arrecadação anual entre R$ 20 e R$ 30 bilhões.
O Ministério da Fazenda também indicou que tentará acabar com o benefício dos juros sobre capital próprio, que consiste em uma forma de distribuição dos lucros de uma empresa de capital aberto (que tem ações na bolsa) aos seus acionistas. Esse sistema existe em poucos países do mundo.
Outra “jabuticaba” que o governo Lula já indicou que buscará eliminar é a ausência da tributação da distribuição de lucros e dividendos. Os lucros das empresas já são taxados no Brasil, mas a sua distribuição para as pessoas físicas, desde 1996, é livre de tributação – algo que não acontece em quase todos países. Esse tema deverá ser tratado no segundo semestre.
A tributação de fundos exclusivos também está na mira da equipe econômica. Fundos exclusivos são aqueles formados por grandes investidores. A ideia seria tributá-los com uma periodicidade e não só no resgate. Segundo o blog da jornalista Julia Dualibi, colunista do g1, deve ficar para o segundo semestre deste ano – no âmbito da reforma do Imposto de Renda.
Gastos tributários
Os benefícios fiscais, chamados de “gastos tributários” pela Receita Federal, são renúncias de receita. Ou seja, o governo abre mão de arrecadação, diminuindo tributos a fim de compensar ou incentivar determinados estados e setores da economia.
Para o ano de 2023, dados do Fisco apontam que os benefícios fiscais devem somar cerca de R$ 450 bilhões.
No âmbito da reforma tributária sobre o consumo, a equipe econômica confirmou que podem ser extintos programas específicos que concedem cerca de R$ 100 bilhões em benefícios fiscais.
Essa estimativa não contempla o fim de benefícios da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional, regimes que as propostas em tramitação no Congresso Nacional buscam preservar.
Em entrevista ao g1, o secretário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, Bernard Appy, avaliou que a grande maioria dos benefícios concedidos por meio do PIS/Cofins tem por objetivo desonerar setorialmente o investimento.
Segundo Appy, no novo modelo tributário proposto, o investimento será desonerado para todos os setores.
“Aí não faz mais sentido discutir setorialmente como é hoje, pois vale para todo mundo. Uma boa parte dos benefícios fiscais que existem hoje vão se tornar desnecessários. Faz todo sentido acabar com eles”, disse Bernard Appy.
Entre os setores e produtos que perderiam incentivos, estão: areas de livre comércio, embarcações e aeronaves, defensivos agrícolas, produtos da cesta básica, equipamentos médicos, medicamentos, Minha Casa Minha Vida, indústria cinematográfica, livros e indústria petroquímica.
Esses incentivos desapareceriam gradualmente ao longo da transição de, ao menos, cinco anos (se, e após, a aprovação da reforma tributária pelo Legislativo). Para que sejam mantidos, outro formato de incentivos teria de ser implementado.
Esses recursos, porém, não engordariam os cofres públicos, pois, segundo o secretário Bernard Appy, eles já foram considerados no cálculo da alíquota de 25% para o futuro Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) — uma das maiores do mundo — que substituirá, se aprovado, o PIS, o IPI, a Cofins, o ICMS e o ISS.
Mas a reforma tributária é uma aposta do governo para aumentar a arrecadação. Isso se deve ao impacto esperado das mudanças dos tributos no crescimento da economia. Analistas estimam que ela pode elevar o PIB potencial em no mínimo 10% nas próximas décadas.
Monitoramento de políticas públicas
Além da reforma tributária, o governo informa que já iniciou o trabalho de monitoramento e avaliação de políticas existentes, que será coordenado por uma secretaria específica, no Ministério do Planejamento, chefiada por Sérgio Firpo.
Se não forem bem avaliadas, a área econômica pode propor ao Congresso a mudança ou extinção das políticas.
De acordo com o Ministério do Planejamento, 15 políticas públicas relativas ao ciclo de 2022 estão sendo avaliadas, sendo oito de subsídios e sete de gastos diretos. São elas: Fundo Marinha Mercante, Fundo de Terras, Proex, Benefícios Previdenciários e Fapi, Biodiesel, Despesas com pesquisas C&T, PRONAC e PROUNI.
O ciclo de 2023, por sua vez, contará com a avaliação de outras políticas, incluindo o Proer, o fundo clima, a dedução do IR para patrocínio ou doação e o PIS/Confins zerado sobre gás natural e carvão para geração de energia elétrica.
Arcabouço fiscal
O arcabouço fiscal traz metas para as contas públicas. O objetivo do governo é de zerar o déficit primário (despesas maiores do que receitas, sem contar os juros da dívida pública) já em 2024 e obter saldos positivos em 2025 e 2026.
No texto da nova regra fiscal, o governo Lula propõe que as despesas não subam acima de 70% da alta das receitas, e que as despesas tenham limite de alta acima da inflação (real) de 0,6% a 2,5% ao ano.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que precisa ampliar a receita do governo em um montante entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões para viabilizar as metas contidas na proposta de arcabouço fiscal.
Levantamento feito por economistas da corretora Warren Rena indica a necessidade de ao menos R$ 254 bilhões aumento de receitas, até 2026, para atingir o piso das metas de resultado primário do arcabouço fiscal apresentado pela equipe econômica.
Enquanto a regra foca no aumento de arrecadação para tentar evitar descontrole das contas públicas, analistas avaliam que faltam indicações mais claras sobre o controle de gastos públicos e, também, de medidas para reduzi-los .
Com o ajuste fiscal proposto por meio do arcabouço fiscal, a área econômica informou que busca estabilizar a dívida pública, que pode ficar acima de 80% do PIB, nos próximos anos.
Com o objetivo de controlar a dívida, o governo diz que está trabalhando na “harmonização” da política fiscal (relativos aos gastos públicos) com a política monetária (definição dos juros por parte do Banco Central para tentar conter a inflação).
A expectativa da área econômica é que o buscado equilíbrio nas contas públicas possa pavimentar o caminho para o BC, que goza de autonomia operacional, possa começar a reduzir a taxa básica de juros, atualmente em 13,75% ao ano, nos próximos meses.
Fonte: G1