Desde que o Talibã recuperou o controle no Afeganistão há dois anos (em 15 de agosto de 2021), mais de um terço das crianças do país (38,4%) viu-se obrigada a trabalhar para ajudar suas famílias a combater os níveis crescentes de pobreza e fome. A constatação é da Save the Children, organização internacional que há mais de 100 anos luta para salvar meninos e meninas em risco e garantir-lhes um futuro. A pesquisa envolveu famílias em seis províncias afegãs.
No mesmo sentido a Emergency – presente no Afeganistão desde 1999 – faz um balanço da atual situação, dois anos após o abandono do país pelas forças internacionais. A constatação, é que 29 milhões de pessoas ainda têm necessidade de ajuda humanitária. As vítimas das guerras diminuíram, mas aumentou o número de pessoas que não têm recursos para se manter.
No início de 2023, o Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários estimou que haveria 28,3 milhões de afegãos precisando de ajuda humanitária. Agora esse número chegou a quase 29 milhões, dos quais 77% são mulheres e crianças.
Três quartos das crianças (76,1%) entrevistadas pela equipe da Save the Children, presente no Afeganistão desde 1976, afirmaram que comem menos do que um ano atrás, já que a pior seca do país em 30 anos afetou plantações, matou gado e agravou a escassez de alimentos e água para menores e suas famílias. De fato, a seca afetou 58% das famílias. A fome, ademais, não só tem um sério impacto na saúde física das crianças, mas também na sua saúde mental, porque produz ansiedade e depressão.
Assim, as consequências de mais de vinte anos de guerra, aliadas à crise econômica, ao aumento da pobreza, à fome e à escassez de serviços essenciais – tudo agravado pelas mudanças climáticas – constituem um mix mortal para milhões de afegãos, que foram privados das ajudas alimentares devido aos cortes nos financiamentos internacionais.
O Afeganistão é um dos exemplos mais claros do impacto que a crise climática está tendo sobre as famílias que dependem da agricultura para sobreviver. O país enfrenta seu terceiro ano consecutivo de seca, afetando mais da metade da população.
Os níveis de fome são mais altos no norte do Afeganistão, onde as famílias dependem fortemente da agricultura para sobreviver. A seca provocou fome aguda em um em cada três domicílios (34,3%) na província de Sar-e-Pul e em um em cada cinco domicílios (20,7%) em Jawzjan. Para comparação, cerca de 6% das famílias nas províncias de Nangarhar e Cabul relataram tal situação.
Não há ambulâncias em caso de emergência. As estruturas são inadequadas, faltando pessoal especializado, maquinário, energia elétrica e água, principalmente nas áreas rurais. O sistema de saúde não é adequado para responder às necessidades da população, porque estruturalmente seriam necessários mais recursos do que os disponíveis”.
As mulheres representam um dos grupos mais vulneráveis depois das crianças, em particular na gestão da gravidez. A falta de meios de transporte seguros e eficientes, a ausência de clínicas que ofereçam atendimento obstétrico para gestantes nas áreas rurais e a diminuição do poder aquisitivo tornam ainda mais precária a possibilidade de acesso a atendimento oportuno e eficaz para as mulheres afegãs.
Em um país que dependia da ajuda internacional para 75% de seus gastos públicos, o Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários estimou que 17,6 milhões de afegãos terão necessidades de saúde graves ou extremas de saúde.
Diante deste quadro, Save the Children pede uma ação urgente da comunidade internacional, com a alocação de ajuda humanitária e ajuda ao desenvolvimento de longo prazo que atenda às crescentes necessidades das pessoas no Afeganistão. A organização também exorta os governos doadores a não congelar ou suspender o financiamento atual e existente para o trabalho humanitário no Afeganistão, pois isso terá um impacto devastador na população civil, especialmente mulheres e meninas. Os direitos das crianças, especialmente o direito à educação das meninas, devem ser priorizados por todas as partes interessadas.