Maria e a Igreja Ortodoxa na Redemptoris Mater

Igreja

“Tamanha riqueza de louvores, acumulada pelas diversas formas da grande tradição da Igreja, poderia ajudar-nos a fazer com que a mesma Igreja torne a respirar plenamente «com os seus dois pulmões»: o Oriente e o Ocidente”. (São João Paulo II

“Desejo realçar, por outro lado, quanto a Igreja católica, a Igreja ortodoxa e as antigas Igrejas orientais se sentem profundamente unidas no amor e louvor à Theotókos. Não só «os dogmas fundamentais da fé cristã acerca da Trindade e do Verbo de Deus, que assumiu a carne da Virgem Maria, foram definidos nos Concílios ecuménicos celebrados no Oriente», mas também no seu culto litúrgico «os Orientais exaltam com hinos esplêndidos Maria sempre Virgem … e Santíssima Mãe de Deus». (Redemptoris Mater, 31)”

São João Paulo II dedica a segunda parte da Carta Encíclica Redemptoris Mater à “Mãe de Deus no centro da Igreja que está a caminho”, onde destaca inicialmente “a Igreja, Povo de Deus presente em todas as nações da terra”, seguido pela “caminhada da Igreja e a unidade de todos os Cristãos” e por fim “o «Magnificat» da Igreja que está a caminho”. Nesta parte do documento publicado em 25 de março de 1987, o convite a “olhar todos conjuntamente para a nossa Mãe comum, que intercede pela unidade da família de Deus e que a todos «precede», à frente do longo cortejo das testemunhas da fé no único Senhor, o Filho de Deus, concebido no seu seio virginal por obra do Espírito Santo”.

No programa de hoje deste nosso espaço, padre Gerson Schmidt* nos propõe a reflexão “Maria e a Igreja Ortodoxa na Redemptoris Mater”:

“Aprofundamos a rica tradição ortodoxa da devoção Mariana, em base a Carta Encíclica de São João Paulo II Redemptoris Mater, de 1987, referendando a LG (Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 52) e também Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis redintegratio(n. 14-15) do Concílio Vaticano II.

Completa assim o Papa polonês no número 32 da Redemptoris Mater, dando destaque da devoção Mariana na Igreja bizantina: “Na liturgia bizantina, em todas as horas do Ofício divino, o louvor da Mãe anda unido ao louvor do Filho e ao louvor que, por meio do Filho, se eleva ao Pai no Espírito Santo. Na anáfora ou oração eucarística de São João Crisóstomo, imediatamente depois da epíclese (a invocação do Espírito Santo na consagração) a comunidade reunida canta desta forma à Mãe de Deus: «É verdadeiramente justo proclamar-vos bem-aventurada, ó Deípara, que sois felicíssima, toda pura e Mãe do nosso Deus. Nós vos magnificamos: a vós, que sois mais digna de honra do que os querubins e incomparavelmente mais gloriosa do que os serafins! A vós que, sem perder a vossa virgindade, destes ao mundo o Verbo de Deus! A vós, que sois verdadeiramente a Mãe de Deus»! Semelhantes louvores, que em cada celebração da liturgia eucarística se elevam a Maria Santíssima, forjaram a fé, a piedade e a oração dos fiéis. No decorrer dos séculos tais louvores impregnaram todas as expressões da sua espiritualidade, suscitando neles uma devoção profunda para com a «Santíssima Mãe de Deus»””.

Segundo o ensino dos santos Padres e segundo a tradição universal da Igreja, se podiam propôr à veneração dos fiéis, conjuntamente com a Cruz, as imagens da Mãe de Deus, dos Anjos e dos Santos, tanto nas igrejas como nas casas ou ao longo dos caminhos[1] (cf. Redemptoris Mater, 33). “Este costume foi conservado em todo o Oriente e também no Ocidente: as imagens da Virgem Maria têm um lugar de honra nas igrejas e nas casas. Maria é representada: ou como trono de Deus, que sustenta o Senhor e o doa aos homens (Theotókos); ou como caminho que leva a Cristo e o mostra (Odigitria); ou como orante, em atitude de intercessão e sinal da presença divina nos caminhos dos fiéis, até ao dia do Senhor (Deisis); ou como protetora, que estende o seu manto sobre os povos (Pokrov); ou, enfim, como Virgem misericordiosa e cheia de ternura (Eleousa). Ela é representada, habitualmente, com o seu Filho, o Menino Jesus, que tem nos braços: é a relação com o Filho que glorifica a Mãe. Algumas vezes, ela abraça-o com ternura (Glykofilousa); outras vezes, está hierática e parece absorvida na contemplação daquele que é o Senhor da história (cf. Apoc 5, 9-14)”. Nesse trecho, o Papa João Paulo II referenda a constituição Lumen gentium, número 59.

No contexto dos tempos hodiernos da guerra triste e injustificável entre Ucrânia e Rússia, referendo aqui ainda o que João Paulo II escreve sobre a devoção dos ícones marianos na Ucrânia, e também na Rússia. Esse santo de nosso tempo diz assim: “As Ícones são veneradas ainda hoje na Ucrânia, na Bielo-Rússia (ou Rússia Branca) e na Rússia, sob diversos títulos: são imagens que atestam a fé e o espírito de oração daquele povo bondoso, que adverte a presença e a proteção da Mãe de Deus. Nessas Ícones a Virgem Maria resplandece como reflexo da beleza divina, morada da eterna Sabedoria, figura da orante, protótipo da contemplação e imagem da glória: tenta-se representar aquela que, desde o início da sua vida terrena, possuindo a ciência espiritual inacessível aos raciocínios humanos, com a fé alcançou o conhecimento mais sublime. Recordo, ainda, a Ícone da Virgem do Cenáculo, em oração com os Apóstolos, aguardando a vinda do Espírito: não poderia ela tornar-se sinal de esperança para todos aqueles que, no diálogo fraterno, querem aprofundar a própria obediência da fé?”. Essa pergunta deveria ter resposta diante dessa incompreensível e catastrófica guerra nesses países, suplicando a intercessão dessa que é tão carinhosamente venerada nesses países e protótipo de um diálogo urgente e necessário para o fim da guerra nesses povos, como Papa Francisco tanto insiste.

Finalmente, na temática da devoção mariana bizantina, nessa Carta Encíclica, João Paulo II conclui utilizando uma analogia com o Corpo humano da fé do Oriente e Ocidente. “Tamanha riqueza de louvores, acumulada pelas diversas formas da grande tradição da Igreja, poderia ajudar-nos a fazer com que a mesma Igreja torne a respirar plenamente «com os seus dois pulmões»: o Oriente e o Ocidente. Como já afirmei, por mais de uma vez, isso é necessário mais do que nunca, nos dias de hoje. Seria um valioso auxílio para fazer progredir o diálogo em vias de atuação entre a Igreja católica e as Igrejas e as Comunidades eclesiais do Ocidente[2]. E seria também a via para a Igreja que está a caminho poder cantar e viver de modo mais perfeito o seu «Magnificat»” (Redemptoris Mater, 34). Maria, portanto, é um caminho para a unidade de um ecumenismo cristão entre as igrejas.

[1] Conc. Ecum. Niceno II: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, Bologna 1973 (3), 135-138 (DS 600-609).
[2] Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o Ecumenismo Unitatis redintegratio, 19.

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.