O cenário internacional está mais uma vez abalado por um conflito armado.
Quase dois anos após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, o mundo está há um mês dividido em outro conflito, de Israel contra o Hamas, depois dos ataques do grupo islâmico no território israelense em 7 de outubro, que deixaram 1.400 mortos, segundo o governo israelense, e mais de 240 pessoas sequestradas.
À medida que bombardeios e ataques israelenses na Faixa de Gaza se ampliam e o número de vítimas civis cresce – já são mais de 10 mil, segundo autoridades palestinas –, em diferentes partes do globo algumas nuances começaram a aparecer em relação às posições assumidas no início do conflito, que consistiam principalmente na condenação dos atos do Hamas e no apoio a Israel.
Isso é o que revelam decisões tomadas no fim de outubro e início de novembro por governos de vários países.
A Bolívia rompeu relações diplomáticas com Israel em 31 de outubro ao criticar a “ofensiva militar agressiva e desproporcional” contra Gaza, tornando-se assim o primeiro país a fazer isso.
A Colômbia e o Chile, por sua vez, convocaram os seus embaixadores em Israel para consultas devido ao “massacre do povo palestino” e às “violações inaceitáveis do Direito Internacional Humanitário que ocorreram na Faixa de Gaza”.
Dois países muçulmanos – Jordânia e Bahrein – também retiraram os seus embaixadores de Israel.
Entretanto, vozes que pedem um cessar-fogo ou uma pausa nos bombardeios por razões humanitárias começam a ser ouvidas em países que são aliados tradicionais do governo israelense, à medida que se espalham protestos de cidadãos sobre a situação desesperada vivida pelos habitantes de Gaza.
Fortes aliados de Israel
“Os EUA estão com o povo de Israel, nunca deixaremos de apoiá-los (…) O apoio do meu governo à segurança de Israel é sólido como uma rocha e inabalável.”
Com estas palavras, após os ataques de 7 de outubro, o presidente dos EUA, Joe Biden, confirmou o lugar da superpotência como principal aliado político, econômico e militar de Israel.
Desde os ataques do Hamas, a Casa Branca tem demonstrado apoio inabalável ao governo de Benjamin Netanyahu. Primeiro, o secretário de Estado, Antony Blinken, visitou Israel e, mais tarde, o próprio Biden fez uma visita.
Além disso, Washington enviou dois porta-aviões da sua frota à costa de Israel para proteger o seu aliado no Oriente Médio.
O presidente americano – que tem resistido a pedir um cessar-fogo em Gaza – pressiona o Congresso do seu país para aprovar um pacote de ajuda de mais de US$ 14 bilhões para a defesa militar de Israel.
Para Mariano Aguirre, membro associado do think tank de política externa Chatham House, no Reino Unido, o apoio dos EUA é “fundamental” para a segurança de Israel.
Em segundo lugar na lista dos aliados de Israel, Aguirre coloca o Reino Unido e alguns membros da União Europeia (UE), como a Alemanha, França ou Itália, e países do leste da Europa, como a Hungria ou a República Checa.
“A UE apoia Israel sem nuances sobre o Hamas, mas não sobre os palestinos (…) A sua posição não é tão definida como a dos EUA”, diz Alfredo Rodríguez Gómez, diretor do mestrado em Segurança Internacional da Universidad Internacional de La Rioja, na Espanha, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Rodríguez refere-se ao fato de países europeus considerarem o Hamas uma organização terrorista, mas defender o direito do povo palestino a ter o seu próprio Estado.
Aguirre diz que o apoio de dois países europeus está condicionado pela exigência de que Israel realize as suas operações contra o Hamas dentro do respeito ao Direito Internacional Humanitário, ou seja, que “a população civil não seja atacada”.
Isso explicaria as mudanças em países como a Espanha, cujo presidente, Pedro Sánchez, passou de condenar os ataques do Hamas e reafirmar os direitos de Israel a defender-se “dentro do Direito Internacional” para pedir um cessar-fogo urgente e expressar dúvidas sobre a legalidade das ações militares israelenses.
Entretanto, no Reino Unido, o primeiro-ministro Rishi Sunak e membros do seu gabinete têm sido firmes na sua defesa de Israel e da sua campanha militar em Gaza.
Na verdade, o deputado conservador Paul Bristow perdeu o cargo no governo por pedir a Sunak que apoiasse um cessar-fogo por razões humanitárias.
À medida que a campanha militar israelense avança e o número de mortes em Gaza aumenta, líderes europeus e americanos começam a introduzir nuances nas suas posições, como demonstra o fato de Biden ter pedido a Israel uma “pausa” em suas ações em operações em Gaza para facilitar a entrega de ajuda aos civis.
Com os palestinos, mas não com o Hamas
“A causa palestina tem muito apoio internacional. Isto foi visto em 2012, quando a Assembleia Geral da ONU aceitou a Palestina como Estado observador”, diz Aguirre, que afirma que este apoio não inclui o Hamas ou outros grupos, como a Jihad Islâmica.
Por sua vez, Rodríguez Gómez afirma que entre os principais aliados dos palestinos estão “os países muçulmanos, mesmo aqueles que assinaram os Acordos de Abraham em 2020 e estabeleceram relações com Israel [Emirados Árabes Unidos, Marrocos, Bahrein e Sudão]”.
Por isso, a decisão da Jordânia e do Bahrein de retirarem os seus embaixadores de Israel é considerada significativa.
A Jordânia normalizou as relações com Israel com a assinatura de um acordo de paz em 1994, enquanto o Estado do Golfo Pérsico o fez em 2020 com os acordos promovidos pelos EUA.
Os países muçulmanos manifestaram o seu apoio nas Nações Unidas a um cessar-fogo em Gaza e em locais como o Egito, o Líbano e Marrocos têm havido manifestações em apoio aos palestinos.
E quem está com o Hamas?
O principal aliado do Hamas é o Irã, de onde o grupo recebe recursos financeiros, armas e formação para seus membros, segundo autoridades israelenses e ocidentais.
Ter o apoio do regime dos aiatolás significa, segundo os especialistas, ter também o apoio de países como o Iraque ou a Síria, que estão na órbita de Teerã.
Mas não só o Irã está por trás do Hamas – o Catar também. O Estado do Golfo é considerado outro dos principais apoiadores do ponto de vista financeiro e diplomático do grupo palestino.
“O principal líder do Hamas (Ismail Haniyeh) está em Doha, embora o Catar seja aliado dos EUA”, lembra Aguirre.
Um caso peculiar é o da Turquia. Apesar do seu país ser membro da Otan, o presidente, Recep Tayip Erdogan, disse que “o Hamas não é um grupo terrorista”, mas sim “um grupo de libertadores”, e acusou Israel de cometer crimes de guerra em Gaza.
Rússia e China
A posição de outras duas potências nucleares nesta questão é guiada pelas suas rivalidades e interesses econômicos.
“O caso da Rússia é peculiar, pois sua posição responde ao seu confronto geoestratégico com os Estados Unidos”, afirma Ignacio Gutiérrez de Terán, professor de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madri (Espanha), que lembra que Moscou não condenou o ataque do Hamas, mas culpou Washington pelo conflito.
Rodríguez Gómez fala em termos semelhantes, assegurando que “o ataque do Hamas é muito bom para a Rússia, porque serve para dispersar as forças dos Estados Unidos e da Europa, e desviar a atenção do que faz na Ucrânia”.
“Se a Rússia tivesse que ser colocada num equilíbrio entre o Ocidente e o Hamas, estaria mais próxima do Hamas”, afirma o especialista.
O governo de Netanyahu recentemente convocou o embaixador russo em Israel em protesto contra a presença de líderes da organização islâmica na capital russa.
Quanto à China, Rodríguez Gómez afirma que se trata de um caso “diferente”.
“A China precisa de um mundo estável. Os grandes projetos econômicos precisam de estabilidade e a China quer levar a cabo o seu grande projeto da Rota da Seda e uma desestabilização como a da Ucrânia ja basta”, explica.
A posição dos países da América Latina
Assim que ocorreram os ataques do Hamas, a maioria dos governos da América Latina expressaram solidariedade a Israel. Isto ocorreu apesar das simpatias que muitos deles têm pela causa palestina.
Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Luis Lacalle Pou (Uruguai), Gabriel Boric (Chile), Nayib Bukele (El Salvador), Luis Abinader (República Dominicana) e Alberto Fernández (Argentina) condenaram veementemente a morte e o sequestro de israelenses civis. Bolívia, Costa Rica e Honduras, por meio de seus ministérios das Relações Exteriores, também condenaram o ocorrido.
O México, por sua vez, optou pela equidistância. Por um lado, o seu presidente, Andrés Manuel López Obrador, afirmou no dia 9 de outubro que o seu país “não tomava partido” e que “mais do que condenações, era necessária uma solução pacífica”.
Por outro lado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros repudiou os fatos e afirmou que Israel tinha “direito à legítima defesa”.
Os governos da Venezuela, Cuba e Nicarágua, por outro lado, atribuíram os ataques do Hamas à ocupação israelense dos territórios palestinos.
À medida que aumenta o número de vítimas civis em Gaza, alguns líderes da região endureceram seus discursos.
No fim de outubro, Lula chamou os ataques do Hamas de “terrorismo” e “ato de loucura” e a reação de Israel de “insana”.
“Não é porque o Hamas cometeu um ato terrorista contra Israel que Israel tem que matar milhões de inocentes”, disse ele.
Lula também destacou que o conflito deixa crianças, mulheres e idosos como vítimas.
“Não é possível tanta irracionalidade, tanta insanidade, que as pessoas façam uma guerra tendo em conta de que as pessoas que estão morrendo são mulheres, são pessoas idosas, são crianças que não estão tendo sequer o direito de viver”, disse o presidente brasileiro.
Outros países foram mais longe, como demonstram as decisões tomadas nos últimos dias de outubro por Bolívia, Colômbia e Chile, cujos líderes expressaram repetidamente o seu descontentamento com a resposta de Israel aos ataques dos quais foi vítima.
O presidente colombiano, Gustavo Petro, foi quem se mostrou mais duro desde o início com Israel e sua ofensiva contra Gaza, o que levou o governo Netanyahu a acusá-lo de ser “hostil” e “antissemita” e a anunciar a suspensão de certas exportações israelenses para o país da América do Sul.
Nas Nações Unidas, as posições críticas dos governos latino-americanos em relação à resposta de Israel também foram claras.
No fim de outubro, uma resolução não vinculante que pedia ao exército de Israel para cessar os seus ataques a Gaza por “razões humanitárias” foi apoiada por 120 países, 20 deles latino-americanos e caribenhos.
“Israel venceu a guerra de forma dramática e dura na opinião pública no início, mas essa simpatia inicial tem se deteriorado devido ao tipo de retaliação que tem aplicado (…) E é possível que perca apoio em alguns países do sul”, diz Mariano Aguirre.
A opinião é compartilhada pelo professor da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Central da Venezuela (UCV), Carlos Romero.
“Na medida em que Israel aplica uma solução militar ao problema de Gaza, na mesma medida alguns governos em todo o mundo, incluindo os da América Latina e do Caribe, exercerão ações diplomáticas, e poderá surgir uma crise entre Israel e a região”, diz.