Com talentos excepcionais, três mulheres de Sorocaba (SP) contam como é ter mais de uma profissão para correr atrás da vida artística. De produtora de eventos à fashion designer, elas têm agitado as noites da cidade com suas produções autorais.
Viver uma “vida dupla” pode ser ser um desafio para muitas pessoas. Mas para três mulheres de Sorocaba, no interior de São Paulo, é um dos passos para realizar um sonho. Comerciantes no turno da manhã e artistas à noite, elas esbanjam seus talentos em casas de shows da cidade.
Jéssica Souza Mendes Pereira, natural de Salto (SP), é uma dessas trabalhadoras. Formada em pedagogia, a autônoma descobriu sua vocação e paixão pelo lirismo ainda na adolescência, quando começou a participar do coral da igreja.
“Sempre gostei muito de escrever e sempre quis cantar. Aos 15, cantava para o coral da igreja, e no ano seguinte, de tanto assistir as batalhas de rimas que aconteciam no meu bairro, passei a fazer as minhas. Depois disso, nunca mais parei”, relata Jéssica.
Com o nome artístico “JE$$I”, sua carreira profissional começou em 2018, com a canção “Primeiro Ato”. Recentemente, ela lançou um disco colaborativo, “Voucher”. Ao incorporar fortes influências do rap, hip hop e funk paulista, suas composições possuem uma forte mensagem social.
“Somente neste ano, investi cerca de 10 mil reais na minha carreira. Faço aulas de canto, ensaios fotográficos, desenvolvi todo um branding [gestão de marcas e pessoas]”, comenta a artista.
“Como uma mulher da periferia, é impossível que eu não levante questões que nos atingem. Meu posicionamento contra o machismo, preconceitos de gênero, raça e corpos dissidentes é muito forte em minhas letras. Para mim, é uma responsabilidade trazer isso à tona para discutirmos em sociedade. O hip hop foi crucial para minha conscientização”, relata a compositora.
Em entrevista ao g1, Jéssica lamentou a falta de valorização dos artistas locais por parte dos produtores da cidade, além das condições precárias que muitos se submetem para poder mostrar o trabalho.
“Já me apresentei de graça várias vezes. Os organizadores de eventos querem sucatear o nosso trabalho, só por sermos regionais e independentes. Presenciei contratos de artistas maiores que ofereceram 30, 40 mil para meia hora de show. Hoje, cobro apenas pelo custo da apresentação, de ir até lá, sem nenhum lucro. E mesmo assim, tem sido muito difícil. Tenho que sustentar meu próprio sonho com outra profissão, o que não é nada fácil”, lamenta.
Machismo na cena artística
A paixão pela música também é uma das principais motivações de Bianca Vergínia Rodrigues da Silva, de Sorocaba. Aos 28 anos, a advogada, produtora de eventos e DJ, conta que seu objetivo é abrir portas para novos artistas ao organizar festas de sucesso pela cidade, como o “Latifah’s” e o “Porão Delas”, ambas voltadas para o público periférico e minoritário.
“Ambos são lugares onde todos podem se expressar e serem ouvidos, sem rótulos. Tem espaço pra todo mundo”, diz.
Para complementar, Bianca se apresenta como DJ em seus eventos. Com roupas extravagantes, ela conta detalhes sobre como é ser mulher em uma cena musical regional.
“Preciso provar minha capacidade de trabalho constantemente. E ao vestir roupas ousadas, ter uma validação se torna ainda mais difícil. Infelizmente existe muito assédio no meio. Muitas vezes me perguntam onde é que meu marido está, com quem eu deixei minha filha para me apresentar. E do meu lado, sempre tem DJs homens, casados, com filhos. E nunca fazem esse tipo de pergunta. Já me confundiram até com garota de programa, por conta das minhas vestimentas. É muito difícil, mas graças a Deus consegui amadurecer meus posicionamentos durante minha trajetória com essas situações”, detalha.
Apesar de não se ver sem atuar no ramo do entretenimento, Bianca relata que exercer o direito é um fascínio que anda em conjunto.
“Amo muito o que eu faço. Para os dias de semana, tenho parceria com dois escritórios de advocacia. E mesmo sendo profissões muito distintas, consigo relacionar as duas. Tenho muitos processos de pessoas que conheci nos eventos, principalmente na área da família. Essas mulheres passaram a confiar no meu serviço jurídico através da imagem de empoderamento que transpareço”.
O almejo pela carreira musical é ainda mais profundo para Laysla Gama Vilela da Silva, ou “Laysla Lady”, como prefere ser chamada artisticamente. Com apenas 22 anos, além de cantora e compositora, a sorocabana, que já foi vendedora ambulante, hoje é influenciadora digital e proprietária de uma marca de roupas inclusivas.
A moda é referência principal nos trabalhos de Laysla. Ao explicar como funciona sua loja, ela conta. “Sempre me falaram que corpo e pé de pobre não tem número, o que não é verdade. Por conta dessa frase, o meu lado fashion sempre falou muito alto. É um poder muito mais forte do que só vestir algo no corpo, é um poder que faz com que eu me permita ser eu e me conhecer através disso”, explica.
Levando essa inspiração para o palco, a cantora se apresenta com estilos personalizados, que chamam a atenção do público. Suas composições carregam uma mensagem forte de empoderamento.
“Gostosa no Corre”, um dos seus singles mais reproduzidos nas plataformas de streaming, é um relato sobre seu progresso e trabalho árduo para garantir uma boa qualidade em sua “vida dupla”.
“Essa música é meu principal bordão do dia a dia. ‘Gostosa no Corre’ é o reflexo de milhares de corpos brasileiros, que vivem um cotidiano exaustivo, machista, fóbico e arcaico. Esse manifesto foi feito para abraçar aqueles que estão na mesma correria que eu, mas sem a alegria e postura de ser aquilo que se é”, conta.
Para Laysla, a rotina agitada e a vida da periferia fizeram com que a poesia e a comunicação fossem necessários desde sua infância.
“Quando criança, fui repreendida inúmeras vezes pelos mais velhos porque eu falava demais. Isso fez com que eu me tornasse uma adolescente tímida. A música tirou isso de mim. O palco é o lugar onde meu espírito ganha saciedade, é lá onde eu me entrego a ponto de sair sentindo que estou em outra dimensão. É um sonho que eu vivo e corro atrás pra sustentar”, finaliza.
Fonte:G1