Quem é o Hezbollah, o inimigo de Israel no Líbano que pode agravar conflito no Oriente Médio

Internacional

Desde o ataque do Hamas, que matou pelo menos 1,2 mil pessoas em Israel — e a contra-ofensiva israelense que matou mais de 26 mil palestinos em Gaza, segundo o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas — a fronteira libanesa-israelense se tornou um ponto de grande tensão no Oriente Médio.

O governo israelense e o grupo islâmico libanês Hezbollah têm trocado disparos e bombardeios constantes.

Israel evacuou diversos vilarejos e cidades na fronteira com o Líbano em meio a temores de uma escalada. Segundo as Nações Unidas, mais de 80 mil pessoas também tiveram que se deslocar na parte sul do Líbano devido aos confrontos recentes.

A principal preocupação é com a possibilidade de uma expansão ainda maior do confronto armado com o Hezbollah que, assim como o palestino Hamas, prega a destruição do Estado judeu.

O grupo é designado como organização terrorista pelos Estados Unidos, Israel e outros países da Liga Árabe.

Da mesma forma, o seu braço militar aparece na lista de organizações terroristas da União Europeia (UE).

“O Hezbollah é atualmente a força militar não-estatal mais poderosa do mundo”, diz Firas Maksad, especialista em política libanesa e geopolítica do Oriente Médio do think tank Middle East Institute (MEI), com sede em Washington, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

À medida que o conflito entre o Hamas e Israel se intensifica e outras frentes de tensão são abertas no Oriente Médio, muitos temem um envolvimento cada vez maior do Hezbollah.

Origem

O Hezbollah — cujo nome significa “partido de Deus” — é um partido político islâmico xiita e um grupo paramilitar apoiado pelo Irã que exerce grande poder no Líbano.

Desde 1992, é liderado por Hassan Nasrallah e tornou-se agora a força militar mais poderosa da nação árabe.

O grupo também ganhou gradualmente influência no sistema político do Líbano e tem poder de veto no Executivo do país.

O Hezbollah é considerado por alguns libaneses como uma ameaça à estabilidade do país, mas continua popular entre a comunidade xiita libanesa que representa.

Apesar de o Hezbollah defender uma corrente do Islã diferente da do Hamas, sendo o primeiro xiita e o segundo, sunita, os dois grupos convergem quanto ao desejo de destruir Israel.

No entanto, lutaram em campos opostos na guerra civil síria.

O Hezbollah apoia Bashar al Assad, enquanto o Hamas quer derrubá-lo.

As origens precisas do Hezbollah são difíceis de rastrear, mas os seus precursores surgiram depois de Israel ter invadido uma parte do sul do Líbano em 1982, em resposta a uma série de ataques de militantes palestinos contra Israel, nomeadamente a tentativa de assassinato do embaixador israelense no Reino Unido.

Ariel Sharon, que era então Ministro da Defesa de Israel, visou expurgar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) do sul do Líbano e impedir as incursões do grupo através da sua fronteira.

Alguns líderes xiitas no Líbano queriam uma resposta militante à invasão e romperam com o Movimento Amal, um grupo político que se tornou uma das mais importantes milícias muçulmanas xiitas durante a Guerra Civil Libanesa (1975-1990).

Os rebeldes formaram um movimento militar xiita que recebeu apoio militar e organizacional da Guarda Revolucionária do Irã (divisão das forças armadas do Irã, fundada depois da Revolução Iraniana) e foi denominado Amal Islâmico.

Pouco depois, essa organização aliou-se a outros grupos e criou o Hezbollah.

Objetivos
O Hezbollah anunciou oficialmente a sua criação em 1985, publicando uma “carta aberta” que identificava os Estados Unidos e a antiga União Soviética (URSS) como os principais inimigos do Islã.

No polêmico manifesto, o Hezbollah também levantou a destruição de Israel como um objetivo fundamental.

“É o inimigo odiado que temos de combater até que os odiados consigam o que merecem”, diz o texto.

“Este inimigo é o maior perigo para as nossas gerações futuras e para o destino das nossas terras, especialmente porque glorifica as ideias de colonização e expansão, iniciadas na Palestina.”

O governo dos EUA culpa o grupo por orquestrar os atentados à embaixada dos EUA e ao quartel da Marinha americana em Beirute, em 1983, que juntos deixaram 258 americanos e 58 militares franceses mortos e levaram à retirada das forças de manutenção da paz ocidentais.

Após o Exército sírio ter imposto a paz no Líbano em 1990, pondo fim à guerra civil, o Hezbollah continuou a sua guerra de guerrilha no sul do país.

Mas, gradualmente, também começou a desempenhar um papel ativo na política libanesa.

Em 1992, participou pela primeira vez nas eleições nacionais, obtendo mais assentos do que qualquer outro partido.

A organização emitiu um novo manifesto político em 2009, após conquistar 10 assentos no Parlamento, para destacar a “visão política” do grupo.

O Hezbollah retirou do manifesto de 1985 a referência à necessidade de criação de uma república islâmica, mas manteve sua linha dura contra Israel e os Estados Unidos e insistiu que precisava manter suas armas.

Pela sua influência política, militar e de segurança e também pelos serviços sociais que presta, no Líbano, o grupo é considerado um estado dentro do estado, ou seja, uma milícia, rivalizando com as instituições governamentais, o que gera críticas no país.

As suas capacidades excedem até as do Exército libanês.

O espectro da guerra de 2006
A violência em Gaza alimentou tensões entre Israel e o Hezbollah, que expressou solidariedade com o povo palestino.

O grupo militante libanês entrou em confronto pela última vez com Israel em 2006.

Naquele ano, militantes do Hezbollah lançaram um ataque transfronteiriço no qual oito soldados israelenses foram mortos e outros dois raptados.

O Hezbollah exigiu a libertação dos prisioneiros libaneses em troca de soldados israelenses.

Mas a resposta de Israel ao ataque foi rápida e firme.

Aviões de guerra israelenses bombardearam redutos do Hezbollah no sul do Líbano e nos subúrbios ao sul de Beirute, enquanto o Hezbollah disparou cerca de 4 mil foguetes contra Israel.

Mais de 1.125 libaneses, a maioria deles civis, morreram durante os 34 dias de conflito, bem como 119 soldados israelenses e 45 civis.

Desde então, o Hezbollah aprimorou e expandiu o seu arsenal, recrutando dezenas de novos combatentes.

Capacidade militar
Segundo Firas Maksad, especialista em política libanesa, o Hezbollah é “exponencialmente mais poderoso” hoje do que era em 2006.

“O Hezbollah ganhou muito mais experiência, lutando na guerra na Síria e treinando e apoiando milícias pró-Irã no Iraque e no Iêmen”, explica o especialista.

“Também se acredita que seu arsenal militar seja muito mais amplo e preciso em termos de mísseis, em comparação com 2006.”

Em 2021, o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, afirmou que o grupo tinha 100 mil combatentes.

Também possui foguetes de longo alcance que poderiam penetrar profundamente em Israel.

Por essas razões, Maksad acredita que uma guerra total entre o Hezbollah e Israel seria “devastadora” tanto para os libaneses como para os israelenses.

Financiamento
Segundo o Departamento de Estado dos EUA, o Irã fornece ao Hezbollah “a maior parte” do seu financiamento, bem como treinamento, armas e explosivos.

Teerã também envia “ajuda política, diplomática, monetária e organizacional”, denuncia Washington.

Além disso, as agências antidrogas dos EUA e da Europa acusam o grupo libanês de lucrar com o tráfico de drogas.

O Hezbollah nega repetidamente tais acusações, alegando que é “religiosamente proibido fabricar, vender, comprar, contrabandear e consumir” drogas.

O Departamento de Estado dos EUA observa que o Hezbollah também lucra com contrabando de mercadorias, falsificação de passaportes, tráfico de entorpecentes, lavagem de dinheiro e fraude com cartões de crédito, imigração e bancos.

O Hezbollah se envolverá mais na guerra entre Israel e Gaza?

Na visão de Maksad, existe a possibilidade de Israel e o Hezbollah travarem um conflito, apesar de nenhum dos lados estar “buscando-o ativamente”.

O especialista acredita que Israel está ocupado em Gaza e não quer abrir uma segunda ou terceira frente, enquanto o Irã preferiria que o Hezbollah não perdesse a sua influência ou a sua força.

“O Hezbollah é a primeira linha de dissuasão para que Israel não ataque o programa nuclear iraniano, razão pela qual o Irã prefere que permaneça intacto”, explica.

No entanto, Maksad acrescenta que se Israel avançar mais profundamente em Gaza, os líderes do Irã e do Hezbollah terão de tomar uma decisão difícil.

“Eles terão de decidir se vão sentar-se e ver Israel desmantelar os seus aliados palestinos ou juntar-se à luta para salvar o Hamas.”

Maksad diz que uma segunda frente “possivelmente” já existe devido aos confrontos observados entre o Hezbollah e Israel perto da fronteira libanesa-israelense.

“O Hezbollah e os iranianos são especialistas em conflitos na zona cinzenta (entre a paz e a guerra)”, explica.

“Eles continuarão a ameaçar Israel e a operar na fronteira, mas tentando evitar um confronto total e devastador”, conclui.

Fonte: BBC Brasil