A Câmara dos Estados Unidos aprovou neste sábado (20/4) um pacote de ajuda de US$ 60,8 bilhões (R$ 318 bilhões) para a Ucrânia na guerra contra a Rússia. A proposta passou com 311 votos a favor e 112 contra. Agora segue para o Senado — onde sua aprovação é aguardada.
Outros cerca de US$ 35 bilhões irão para Israel e Taiwan.
O resultado foi confirmado em um momento em que a Rússia vem ganhando bastante terreno no conflito.
A aprovação do pacote é solicitada pelo presidente Joe Biden há seis meses. Deputados ligados ao ex-presidente Donald Trump impuseram anteriormente dificuldades para sua concretização.
Com a ajuda, munições poderão chegar ao front ucraniano em até uma semana, segundo jornais americanos.
O presidente Volodymyr Zelensky postou no X, o antigo Twitter, que a proposta de ajuda norte-americana aprovada hoje pela Câmara vai “evitar que a guerra se expanda, salvar milhares e milhares de vidas e ajudar ambas as nações a se tornarem mais fortes. Paz e segurança só podem ser conseguidas através da força”.
O porta-voz do Kremlin disse que o pacote vai “arruinar a Ucrânia mais adiante”.
As perspectivas para o front ucraniano são bastante pessimistas nesse momento.
O ex-chefe do Comando das Forças Conjuntas do Reino Unido, general Richard Barrons, alertou em entrevista à BBC — antes da aprovação do pacote de ajuda americano — que existem “sérios riscos” de que a Ucrânia perca a guerra contra a Rússia em 2024.
Para ele, “a Ucrânia pode vir a sentir que não pode vencer. E, quando chega este ponto, por que as pessoas irão querer lutar e continuar morrendo, apenas para defender o indefensável?”
A Ucrânia ainda não chegou a este ponto. Mas suas forças têm muito pouca munição, tropas e defesas aéreas. E sua tão proclamada contraofensiva no ano passado não conseguiu deslocar os russos dos terrenos ocupados, enquanto Moscou agora se prepara para uma ofensiva de verão.
Como será essa ofensiva russa e quais serão os prováveis objetivos estratégicos do país?
“A estratégia da ofensiva russa que está por vir é muito clara”, segundo o general Barrons. “Estamos vendo a Rússia combater na linha de frente, empregando sua vantagem de 5 para 1 em artilharia, munição e pessoal, reforçada pelo uso de armas mais novas.”
Estas armas incluem a bomba planadora FAB, uma antiga bomba não teleguiada da era soviética que foi adaptada com estabilizadores, sistema GPS e 1,5 tonelada de fortes explosivos. A nova bomba está causando estragos entre as defesas ucranianas.
“Em algum momento deste verão [do hemisfério norte], esperamos ver uma forte ofensiva russa, com a intenção de fazer mais do que pequenos avanços e talvez tentar atravessar as linhas ucranianas”, afirma Barrons.
“E, se isso acontecer, correremos o risco de ver as forças russas avançarem e invadirem regiões da Ucrânia onde as forças armadas ucranianas não poderão detê-las.”
Mas onde?
No ano passado, os russos sabiam exatamente onde a Ucrânia iria provavelmente atacar — de Zaporizhzhia para o sul, em direção ao mar de Azov. A Rússia se planejou e obstruiu com sucesso os avanços ucranianos.
Agora, a situação se inverteu. A Rússia reúne suas tropas e deixa Kiev tentando adivinhar onde irá atacar em seguida.
“Um dos desafios dos ucranianos é que os russos podem escolher onde concentrar suas forças”, explica o pesquisador de guerras terrestres Jack Watling, do think tank (centro de pesquisa e debates) britânico Royal United Services Institute (Rusi).
“É uma linha de combate muito longa e os ucranianos precisam defendê-la totalmente”, segundo ele. O que, é claro, eles não conseguem.
“O exército ucraniano irá perder terreno”, afirma Watling. “A questão é: quantos e quais centros populacionais serão afetados?”
É bem possível que o Estado Maior russo ainda não tenha decidido qual direção irá receber seus principais esforços. Mas é possível classificar suas várias opções, de forma geral, em três grandes locais.
Kharkiv
“Kharkiv certamente é vulnerável”, afirma Watling.
Segunda maior cidade da Ucrânia e localizada em região perigosa, próxima da fronteira russa, Kharkiv é um alvo tentador para Moscou.
A cidade está sendo bombardeada diariamente por mísseis russos e a Ucrânia não consegue reunir defesas aéreas suficientes para combater a mistura letal de drones, mísseis balísticos e de cruzeiro lançados em sua direção.
“Acho que a ofensiva este ano terá como primeiro objetivo atacar a partir da região de Donbas”, segundo Barrons, “e seu objetivo será Kharkiv, que fica a cerca de 29 km da fronteira russa — uma conquista importante.”
Mas será que a Ucrânia ainda conseguirá funcionar de forma viável com a queda de Kharkiv? Os analistas afirmam que sim, mas seria um golpe catastrófico para o moral e para a economia do país.
Donbas
A região do leste da Ucrânia conhecida coletivamente como Donbas está em guerra desde 2014, quando separatistas apoiados por Moscou se declararam “repúblicas populares”.
Em 2022, a Rússia anexou ilegalmente os dois oblasts (províncias) de Donbas – Donetsk e Luhansk. É ali que vem ocorrendo a maior parte dos combates em terra nos últimos 18 meses.
Em decisão controversa, a Ucrânia concentrou enormes esforços, tanto em pessoal quanto em recursos, para tentar manter primeiro Bakhmut, depois Avdiivka. Ela perdeu as duas cidades na tentativa, junto com algumas das suas melhores tropas de combate.
Kiev defende que sua resistência causou quantidades desproporcionalmente altas de mortes entre os russos, o que é verdade. O campo de batalha nesses locais recebeu o apelido de “moedor de carne”.
Mas Moscou tem muito mais tropas disponíveis para entrar em combate, ao contrário da Ucrânia.
O comandante das Forças americanas na Europa, general Christopher Cavoli, alertou que, se os Estados Unidos não enviarem quantidades significativas de novas armas e munição para a Ucrânia, suas forças no campo de batalha ficarão com menos poder de fogo, em razão de 10 para 1.
O poderio importa. As táticas, a liderança e o equipamento do exército russo podem ser inferiores à Ucrânia, mas sua superioridade em números, especialmente na artilharia, é muito grande. Se nada for feito este ano, a Rússia terá a opção de continuar fazendo as forças ucranianas se retirarem em direção ao oeste, ocupando uma cidade após a outra.
Zaporizhzhia
Outro objetivo tentador para Moscou.
A cidade de mais de 700 mil habitantes (em tempos de paz) localizada no sul da Ucrânia fica perigosamente perto das linhas de combate russas.
Ela é também uma espécie de espinho na garganta da Rússia, por ser a capital de um oblast do mesmo nome que foi anexado ilegalmente pelos russos. E, ainda assim, a cidade permanece livremente nas mãos da Ucrânia.
Mas as formidáveis defesas construídas pela Rússia ao sul de Zaporizhzhia no ano passado, esperando corretamente um ataque ucraniano, agora complicariam o avanço russo naquela direção.
A chamada Linha Surovikin consiste de três camadas de defesa, aliadas ao maior e mais denso campo minado do mundo. A Rússia poderia desmontar parcialmente essas linhas, mas suas preparações provavelmente seriam detectadas.
O objetivo estratégico da Rússia este ano pode nem mesmo ser territorial. Poderia ser simplesmente destruir o espírito de combate da Ucrânia e convencer seus apoiadores ocidentais de que esta guerra é uma causa perdida.
Jack Watling acredita que o objetivo russo é “tentar gerar uma sensação de desesperança”.
“Esta ofensiva [russa] não será decisiva para colocar fim ao conflito, independentemente dos resultados para qualquer dos lados”, explica ele.
Barrons também duvida que, apesar da situação terrível enfrentada pela Ucrânia, a Rússia aproveite automaticamente sua vantagem para um avanço decisivo.
“Acho que o resultado mais provável é que a Rússia consiga alguns ganhos, mas sem chegar a romper as defesas. Ela não tem forças suficientemente grandes ou capazes de atravessar todo o caminho até o rio [Dnipro]… mas a guerra terá virado em favor da Rússia.”
Um ponto é certo: o presidente russo, Vladimir Putin, não tem intenção de desistir no seu ataque à Ucrânia. Ele é como um jogador de pôquer apostando todas as suas fichas na vitória.
Putin aposta que o Ocidente irá deixar de fornecer à Ucrânia os meios necessários para sua defesa.
E, apesar de todas as cúpulas da Otan, todas as conferências e todos os discursos inflamados, existe a possibilidade de que ele esteja certo. É verificar agora como o pacote de ajuda americano de US$ 61 bilhões poderá mudar esse cenário.
Fonte: BBC Brasil