Por que posição do Brasil sobre eleição na Venezuela é tão crucial?

Internacional

O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela anunciou na madrugada desta segunda-feira (29/7) que o presidente Nicolás Maduro venceu as eleições presidenciais do país, mas os resultados foram contestados pela oposição, que disse ter havido fraude “grosseira” para modificar os números.

Segundo o presidente do CNE, Elvis Amoroso, Maduro obteve 51,2% dos votos, contra 44,2% do opositor Edmundo González, com 80% das urnas apuradas.

Diante do anúncio, alguns presidentes de esquerda, como da Bolívia e de Honduras, parabenizaram Maduro, enquanto outros chefes de Estado, como o presidente do Chile, Gabriel Boric, criticaram a lisura do processo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não havia se pronunciado diretamente até a publicação desta reportagem.

O Itamaraty afirmou que o governo brasileiro aguarda “a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”.

A nota publicada nesta segunda-feira diz que o governo brasileiro “saúda o caráter pacífico da jornada eleitoral de ontem na Venezuela e acompanha com atenção o processo de apuração”, além de reafirmar “o princípio fundamental da soberania popular, a ser observado por meio da verificação imparcial dos resultados”.

Segundo especialistas consultados pela BBC Brasil antes da eleição, o Brasil deve ter papel de destaque na política venezuelana nos próximos meses.

A princípio, a posse do novo presidente está marcada para janeiro, o que abre uma janela de mais de cinco meses entre a divulgação do resultado e a efetivação do vencedor na liderança.

“Esse período longo vai exigir de todos os países em torno, mas especialmente do Brasil como liderança regional, um cuidado muito grande na condução de uma mediação entre as partes”, afirma Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“farsa”.

Segundo o órgão, a eleição aconteceu “com uma falta geral de liberdades públicas, com candidatos e partidos ilegais, e com autoridades eleitorais desprovidas de toda credibilidade, sujeitas ao poder executivo”.

Consequentemente, a vitória de Maduro não foi aceita pelos Estados Unidos e vários outros países – inclusive o Brasil de Jair Bolsonaro (PL) – que passaram a reconhecer Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Nacional, como líder legítimo do país.

No entanto, Guaidó nunca conseguiu assumir o controle efetivo do governo, e Maduro permaneceu no poder. Em resposta, os Estados Unidos impuseram sanções econômicas contra a Venezuela.

Nestas eleições, a oposição já havia acusado o governo de agir ilegalmente antes do dia da eleição, ao bloquear as candidaturas de María Corina Machado e sua substituta, a historiadora Corina Yoris.

Também foram feitas denúncias sobre dificuldade de acesso ao registro necessário para votar (o voto não é obrigatório na Venezuela), tanto no território venezuelano quanto no exterior.

Carolina Silva Pedroso explica que, na Venezuela, as fraudes podem acontecer muito mais antes do voto do que no momento da ida à urna ou na contagem.

“Como o voto não é obrigatório, podem acontecer ações para impedir as pessoas de chegarem ao centro de votação”, diz. “Em eleições passadas também foram registrados casos de coação ou troca de votos por doações de alimentos e cestas básicas.”

Tudo isso tornou o dia da eleição bastante delicado – assim como o período até a posse.

Pedroso vê a presença na Venezuela do ex-chanceler e atual assessor especial da Presidência, Celso Amorim, como central para a avaliação da situação e posicionamento do Brasil.

Antes de viajar a Caracas, em declaração para o portal G1, Amorim afirmou que seu objetivo é “contribuir para uma eleição correta e limpa” e disse: “Que quem ganhar possa tomar posse tranquilamente”.

“A decisão de enviar Amorim, que é uma figura chave para a política externa brasileira, mostra uma posição assertiva”, avalia a professora da Unifesp.

representantes brasileiros reforçaria ainda mais o papel importante de observação do Brasil e ajudaria a embasar a resposta do governo Lula – de apoio ou questionamento – aos resultados.

Credibilidade
Mas os especialistas reconhecem que o Brasil de hoje é um dos poucos – se não o único – países capazes de dialogar bem com os dois lados da política venezuelana.

Carolina Silva Pedroso, da Unifesp, vê o posicionamento recente mais crítico do governo Lula em relação ao governo Maduro como uma tentativa de construir credibilidade com a oposição para negociar e se mostrar disponível para ajudar em caso de uma crise.

Ao mesmo tempo, Feliciano de Sá Guimarães reconhece que o grande ator externo nos próximos meses serão os Estados Unidos.

Apesar de não manterem relações boas com o chavismo e serem vistos como “o inimigo” por Maduro e seus aliados, os americanos têm a capacidade de usar as sanções econômicas como um poderoso instrumento político, diz Guimarães.

“E o governo americano está especialmente preocupado em não deixar a situação da Venezuela se transformar em um problema que pode afetar as próprias eleições nos Estados Unidos, marcadas para novembro.”

Controle de fronteiras e integração regional
Mas a participação do Brasil pode ir além do papel na observação e reconhecimento dos resultados e mediação.

A crise na Venezuela é vista como uma ameaça à segurança nacional e um obstáculo na consolidação do projeto de reintegração da América do Sul, uma das prioridades do governo Lula em política externa.

Há, segundo o professor da USP, uma preocupação especial com a possibilidade de uma nova onda de fuga de venezuelanos em direção ao território brasileiro, em caso de uma crise política e social.

Mas uma instabilidade eleitoral poderia levar, em última instância, à volta de uma tensão em relação a uma invasão venezuelana de Essequibo.

“Maduro poderia usar isso como uma cartada final se mais nada funcionar”, diz Feliciano de Sá Guimarães.

“Até agora parece pouco provável, mas um país da América do Sul invadindo militarmente outro país da América do Sul seria uma derrota fragorosa e completa da política externa brasileira.”

Para Silva Pedroso, apesar do Brasil defender uma aliança mais profunda entre os países sul-americanos, o Brasil poderia se articular melhor com o governo do colombiano Gustavo Petro para trabalhar em conjunto.

“Petro tem sido muito proativo nesse processo eleitoral e vem de um país que passou efetivamente por um conflito civil de muitas décadas, o que traz uma perspectiva interessante.”

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