Morre Silvio Santos: de camelô a empresário bilionário, a trajetória do comunicador mais popular do Brasil

Brasil

Morreu neste sábado (17/8), aos 93 anos, Silvio Santos, o mais popular apresentador de televisão que a cultura brasileira já conheceu.

Segundo nota do hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde ele estava internado na UTI, a causa da morte foi “broncopneumonia após infecção por Influenza (H1N1)”. Ainda não há informações sobre o velório e o sepultamento.

Em nota, o SBT, emissora da qual Silvio era dono, elogiou sua trajetória levando “felicidade e amor a todos os brasileiros”.

“Hoje o céu está alegre com a chegada do nosso amado Silvio Santos. Ele viveu 93 anos para levar felicidade e amor a todos os brasileiros. A família é muito grata ao Brasil pelos mais de 65 anos de convivência com muita alegria”, informou o SBT em nota publicada nas redes sociais.

“Para nós, Senor Abravanel (o nome verdadeiro do apresentador e empresário) é ainda mais especial e somos muito felizes pelo presente que Deus nos deu e por todos os momentos maravilhosos que tivemos juntos. Aquele sorriso largo e voz tão familiar será para sempre lembrada com muita gratidão. Descansa em paz, que você sempre será eterno em nossos corações.”

Nos últimos anos, o dono do SBT já tinha se ausentado dos domingos na TV, algo que fez poucas vezes ao longo de mais de seis décadas à frente de programas.

No final de 2019, ficou sem gravar por causa de uma forte gripe. Em 2020, comemorou os 90 anos isolado pela pandemia de covid-19, doença que acabou contraindo após voltar aos estúdios no ano seguinte, já com duas doses da vacina, e que o fez se afastar novamente para tratamento.

No último mês, teve um quadro de H1N1 e foi internado duas vezes no hospital Albert Eintein — na primeira para tratar a influenza e na segunda para fazer exames, segundo a assessoria de imprensa do SBT.

Dono de uma trajetória singular, o apresentador foi camelô nas ruas do Rio, um popular locutor de rádio e apresentador de TV antes de fundar sua própria emissora, o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), que desafiou por décadas a liderança da rival Globo.

Silvio também flertou com a política e chegou a se lançar à Presidência da República em 1989, mas a candidatura foi impugnada pela Justiça eleitoral.

Uma história cheia de feitos que o próprio comunicador ajudou a mitificar.

“Irreverente, debochado e transparecendo desdém diante do trabalho da imprensa, Silvio deu muitas informações imprecisas, contraditórias ou mesmo mentirosas ao longo da carreira”, afirma o jornalista e crítico de televisão Mauricio Stycer, autor do livro Topa Tudo por Dinheiro – As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos (Editora Todavia).

Ao examinar 50 anos de entrevistas e textos sobre o apresentador, incluindo outras seis biografias, Stycer buscou revelar a formação da mitologia em torno do “patrão”, como era chamado pelos funcionários.

O começo como camelô
Silvio nasceu em 12 de dezembro de 1930 — e não 1935, como o apresentador sustentou até o final dos anos 1980 — no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro.

Foi registrado como Senor Abravanel pelos pais, o casal de imigrantes judeus Alberto, de origem grega, e a turca Rebecca.

Ele ganhou da mãe ainda na infância o apelido Silvinho. Filho mais velho de seis irmãos, o apresentador conta que em 1945, às vésperas da primeira eleição após 15 anos de Estado Novo, começou a vender capas para título de eleitor e canetas nas ruas do Rio como forma de ajudar os pais.

A primeira oportunidade como comunicador viria, ironicamente, pelas mãos do responsável pela repressão aos camelôs no centro da cidade, que teria se encantado com o jovem vendedor e, em vez de apreender sua mercadoria, sugeriu que Silvio fosse fazer um teste para locutor da rádio Guanabara, comandada por um amigo seu.

O garoto foi aprovado no teste, mas, segundo seu relato, deixaria o emprego meses depois por ganhar mais dinheiro como camelô do que na rádio, mesmo tendo que fugir constantemente dos rapas, como eram chamados os guardas que tentavam impedir a atuação dos vendedores ambulantes não legalizados. “Em minhas mágicas, eu fazia moedas sumirem entre os meus dedos, tirava dedal da orelha, tirava botões do nariz das pessoas. Trabalhava das onze ao meio-dia, horário em que o guarda ia almoçar. Eu tinha realmente poder de comunicação”, diz o apresentador na biografia Silvio Santos, a Trajetória do Mito, lançada em 2000 pelo jornalista Arlindo Silva (1925-2011).

O primeiro empreendimento
No final da década de 1940, após prestar serviço militar na Escola de Paraquedistas da Aeronáutica, o jovem Senor voltou a trabalhar como locutor de rádio na Continental, em Niterói.

Silvio conta ao biógrafo que pegava a última barca para cruzar a baía da Guanabara de volta à cidade do Rio e, durante o trajeto, teve a ideia de colocar música para animar as viagens dos passageiros.

Deixou a rádio, comprou o equipamento, instalou alto-falantes e passou a vender anúncios. Em pouco tempo, também oferecia bingo e vendia bebidas ao público.

A certa altura, conta o apresentador, a barca precisou passar por reparos e, a convite de um dos seus fornecedores, Silvio viajou para São Paulo.

Na cidade, encontrou um locutor com quem havia trabalhado na rádio Tupi, no Rio, que o informou que a rádio Nacional estava precisando de locutor. Ao mesmo tempo, junto com um sócio, trouxe as instalações de som da barca Rio-Niterói e abriu um bar na cidade onde passou a morar desde então.

Silvio Santos e o colega Celso Teixeira na barca Rio-Niterói, onde instalou o sistema de alto-falantes, em 1950

Baú da Felicidade
De volta ao rádio, Silvio conheceria um personagem fundamental em sua carreira, o radialista Manoel da Nóbrega. Foi fazendo locução para o popular programa de Nóbrega, que o apresentador conta ter começado seu primeiro negócio como empresário, o Baú da Felicidade.

Conhecido então como Baú de Brinquedos, o negócio havia sido vendido por um empresário alemão em apuros ao radialista, que pediu ajuda a Silvio. O apresentador, então, diz ter proposto uma sociedade ao colega, que aceitou, e organizou o negócio, que passou a vender carnês e sortear prêmios, tornando-se popular e lucrativo.

A página oficial sobre Silvio no site do SBT diz que, vendo seu empenho para salvar a empresa, Nóbrega deu o Baú da Felicidade de presente ao amigo.

A estreia na TV
Silvio passou a usar sua popularidade para promover o negócio. Além da rádio Nacional, havia criado uma revista de passatempo que vendia no comércio, atuava como corretor de anúncios e como animador em circos – época em que ganhou o apelido “peru que fala”, já que ficava vermelho sempre que se envergonhava. Não demorou a estrear na televisão. Em 1961, começou a apresentar um game show chamado Vamos Brincar de Forca na TV Paulista, emissora mais tarde comprada pela Globo.

Com o sucesso da atração, decidiu comprar duas horas da programação da emissora aos domingos, a melhor vitrine que o Baú da Felicidade poderia ter. Nascia aí o Programa Silvio Santos, que em 1993 ganhou um registro no Guinness Book, o livro dos recordes, como um dos mais longevos programas de TV do mundo.

Dono do próprio canal
Com o sucesso do programa e do Baú da Felicidade, Silvio expandiu os negócios, de olho em conquistar a concessão do seu próprio canal de TV.

Em meados dos anos 1970, criou os estúdios Silvio Santos de Cinema e Televisão nas antigas instalações da TV Excelsior, em São Paulo, onde além de produzir os programas e cenários, fazia comerciais e vendia programas para outras emissoras.

Empresário habilidoso, Silvio logo aprendeu que precisava mais do que recursos para conquistar a primeira concessão de TV e, após perder uma primeira concorrência, passou a viajar a Brasília e se aproximar dos governos militares dos generais Médici, Geisel e Figueiredo – os últimos da ditadura militar -, para atingir seu objetivo.

A primeira concessão veio em outubro de 1975, ainda no governo do general Ernesto Geisel. No ar no ano seguinte, a TVS seria o embrião do que se tornaria, em 1981, o SBT, hoje um canal com mais de 110 afiliadas pelo país e cerca de 6 mil empregados.

Silvio nunca escondeu a gratidão pelos militares que autorizaram a compra dos canais que permitiram a criação da sua rede. Como retribuição, criou a Semana do Presidente, programa que registrava de maneira elogiosa os compromissos e realizações do chefe do Executivo e foi exibido até 1997.

Casamento escondido
Além de omitir a idade, Silvio escondeu por mais de dez anos que era casado. Em entrevistas, chegou a dizer que falar sobre a vida pessoal poderia diminuir o interesse do público, suas “colegas de auditório”, como sempre as chamou. Ele foi casado entre 1962 e 1977 com Maria Aparecida Vieira, a Cidinha, que conheceu ainda na rádio Nacional. Os dois tiveram duas filhas, Cíntia e Silvia. Cidinha morreu em 1977, aos 38 anos, vítima de um câncer no aparelho digestivo. O apresentador fez um mea culpa sobre a omissão que sustentou por anos numa rara entrevista que deu em seu próprio programa, em 1988, quando por mais de uma hora respondeu a perguntas de seus jurados, de convidados e da plateia.

No início daquele ano, havia viajado para os Estados Unidos para tratar de um problema nas cordas vocais que o deixou afônico, afastado do programa por quatro semanas. Ao retornar, Silvio disse ter refletido muito durante 15 dias sozinho no hospital. “Quando em ume lembro da minha mulher que morreu e quando me lembro que eu dizia que era solteiro… Que eu escondia minhas filhas para poder ser o galã, o herói… Eu acho que é uma das coisas mais imperdoáveis que eu fiz, diante da minha imaturidade”, admitiu na TV. Silvio já estava casado novamente, desde 1978, com Iris Abravanel, com quem teve suas outras quatro filhas, Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata.

Candidatura à Presidência
Na mesma entrevista no palco, Silvio anunciou pela primeira vez a intenção de se aposentar da televisão em 1990. Talvez animado pelas novas possibilidades e sua antiga proximidade com a política, resolveu aceitar convites do PFL (atual DEM), ao qual havia se filiado, para se candidatar a cargos do Executivo. Primeiro, à prefeitura de São Paulo. Logo desistiria da ideia para concorrer na primeira eleição por voto direto à presidente que seria disputada depois de 30 anos. Com nada menos que 22 candidatos na disputa, Silvio se apresentou a poucas semanas do primeiro turno pelo nanico PMN (Partido Municipalista Brasileiro), cujo presidente, Armando Corrêa, se dispôs a renunciar à candidatura em nome do empresário.

Nas poucas aparições que teve no horário eleitoral, o empresário ainda teve de lidar com um improviso: em época de voto impresso, com as cédulas já prontas, o nome que aparecia ao lado do número 26 era o de Armando Corrêa e não Silvio Santos. Nada que o apresentador não conseguisse contornar com seu conhecido didatismo na TV. O impacto foi imediato. As primeiras pesquisas mostraram Silvio na preferência de 30% do eleitorado, ultrapassando o então líder na corrida Fernando Collor.

A aventura acabou a apenas seis dias de o país ir às urnas, quando o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo a 18 pedidos de impugnação da chapa de última hora, decidiram que o PMN estava em situação irregular para disputar.

Silvio aceitou a decisão, mas em entrevista à revista Veja sugeriu que foi vítima de preconceito. “Se o lenhador Abraham Lincoln foi presidente dos Estados Unidos e o ator Ronald Reagan também — e por dois mandatos —, um camelô que virou artista e empresário pode ser presidente do Brasil.”

Homenagem, sequestro e Casa dos Artistas
O ano de 2001 resume bem a popularidade alcançada por Silvio ao longo de décadas. Em fevereiro, o comunicador foi tema do carnaval da escola de samba carioca Tradição, e se emocionou ao participar do desfile que relembrou sua trajetória na Marquês de Sapucaí.

telefonou para o apresentador, que o elogiou e desejou que ficasse por 8 anos no governo durante a transmissão do show beneficente Teleton.

Mesmo se tratando de alguém acostumado a bajular políticos por interesse, a simpatia por Bolsonaro foi algo inédito, na opinião de Maurício Stycer.

“Nunca vi ele falar nada disso de ninguém. Ali, ele deseja e meio que sinaliza que estava muito entusiasmado, uma coisa realmente diferente do que manifestou em relação a outros governos”, disse o crítico de TV à BBC Brasil em 2021.

Publicidade negativa
A aproximação com Bolsonaro não foi a única controvérsia recente.

Uma disputa por um terreno ao lado do teatro oficina, em São Paulo, que se arrastou por mais de 40 anos, foi um dos momentos que mais renderam publicidade negativa para o apresentador.

Em 1980, Silvio comprou vários terrenos nas ruas Jaceguai, Abolição, Santo Amaro e Japurá, em um grande quarteirão do bairro paulistano da Bela Vista.

O projeto inicial era construir um shopping center na esquina entre as ruas Jaceguai e Abolição, ao lado do Teatro Oficina — o que tiraria a visão e a iluminação natural da enorme janela de vidro que ladeia o espaço cultural protegido pelo patrimônio.

O dramaturgo Zé Celso, criador do teatro, defendia a compra do terreno pela prefeitura para a criação de um parque público.

Na metade da década de 2010, Silvio desistiu do shopping e comunicou intenção de levantar duas torres residenciais na área — mas o projeto não foi aprovado pelos órgãos de patrimônio. Além disso, enfrentou protestos da classe artística e de moradores do bairro.

Em 2017, Silvio e Zé Celso se encontraram em uma reunião na tentativa de obter uma solução conciliatória. Um vídeo do encontro foi vazado ao público e Silvio foi muito criticado por causa de suas falas durante a reunião.

“Eu tenho culpa de ser rico? Eu dei sorte. Se você não deu, o problema é teu!”, afirma o apresentador ao dramaturgo durante a conversa.

Futuro do SBT sem Silvio
Desde a famosa entrevista de 1988, em que disse que se aposentaria em dois anos, Silvio anunciou muitas vezes o plano de deixar a televisão, sem cumprir.

Apontado pelo comunicador como seu sucessor, o apresentador Gugu Liberato, morto em 2019, havia trocado o SBT pela Record dez anos antes.

As seis filhas do empresário ocupam hoje cargos no grupo, três delas como apresentadoras de programas, além da mulher, Íris, que é autora de novelas. Mas é difícil imaginar o futuro da emissora sem seu criador.

“Existem pessoas que fizeram sua própria história. São únicos. Ayrton Senna, Xuxa, Pelé, Roberto Carlos, meu pai. Lógico que existem outros que podem fazer algo melhor, mas nunca vão substituí-las”, disse a filha e apresentadora Silvia Abravanel ao UOL na ocasião dos 90 anos do pai.

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