Réus confessos pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram condenados nesta quinta-feira (31/10) pelo crime.
Lessa foi condenado a 78 anos, 9 meses e 30 dias de prisão, e Queiroz, a 59 anos, 8 meses e 10 dias.
No julgamento, que durou dois dias e teve júri popular, eles também foram condenados a pagar R$ 706 mil de indenização às famílias de Marielle e Anderson, mortos em março de 2018.
Marielle era vereadora no Rio e Anderson, motorista do carro que foi alvejado por tiros no Centro do Rio.
“A sentença não serve para tranquilizar as vítimas que são os familiares. Homicídio é um crime traumatizante. A pessoa que é assassinada deixa um vácuo que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade, do Poder Judiciário, às vítimas”, disse a juíza Lúcia Glioche ao ler a sentença.
Durante os dois dias, houve depoimentos emocionados de familiares das vítimas, como a mãe de Marielle, Marinete Silva; a viúva de Marielle, Mônica Benício; e a viúva do motorista Anderson Gomes, Ágatha Arnaus.
Fazendo o papel da acusação, o Ministério Público do Rio (MPRJ) trouxe como testemunha também a jornalista Fernanda Chaves, que era assessora de Marielle e estava no carro quando ele foi atacado.
Após a sentença, a família de Marielle Franco falou com a imprensa.
Irmã da vereadora morta e ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco disse que a decisão desta quinta-feira foi o “pedaço de uma resposta” ao crime e que “a Justiça começou a ser feita”.
“O maior legado da Marielle, que ela deixa para esse país, é a prova de que mulheres, pessoas negras e faveladas, quando chegam nos seus postos, merecem permanecer vivas”, declarou Anielle Franco.
“Enquanto estiver sangue correndo nas nossas veias, enquanto nós estivermos vivos e vivas, a gente vai defender o legado, a memória de Marielle e Anderson.”
Ambos réus fizeram delações premiadas. Eles estão presos e participaram do julgamento por vídeoconferência — Lessa está no Complexo Penitenciário de Tremembé, no Estado de São Paulo, e Queiroz, no Complexo da Papuda, no Distrito Federal.
Em março, a Polícia Federal apontou como mandantes do assassinato os irmãos Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE); e Chiquinho Brazão, deputado federal (sem partido-RJ).
Os irmãos estão presos desde então e são réus em uma ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF), já que Chiquinho Brazão é parlamentar e tem foro privilegiado. Os dois negam reiteradamente envolvimento com as mortes.
Corre na Câmara dos Deputados um processo que pede a cassação do mandato de Chiquinho Brazão por conta dessas acusações. Após decisão favorável do Conselho de Ética à perda do mandato, o caso aguarda votação no plenário da casa.
Por que houve júri popular?
O júri popular é previsto na Constituição para crimes dolosos contra a vida. O dolo significa a intenção de atingir um resultado — nesse caso, a morte de alguém — ou a aceitação de que uma determinada ação possa acabar levando à morte de alguém.
O Código Penal define quais crimes contra a vida devem ser avaliados pelo júri popular: homicídio; feminicídio; induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio ou à automutilação; infanticídio; e aborto.
O Código de Processo Penal, por sua vez, prevê que uma decisão do júri popular pode ser questionada em recurso.
O recurso pode apontar questões jurídicas ou que a decisão dos jurados foi contrária às provas apresentadas.
“O Tribunal de Justiça [em caso de recurso à segunda instância] não pode reformar a decisão no sentido de dizer, por exemplo: o réu foi absolvido pelo júri, mas eu estou condenando. Ele pode sim determinar que se refaça o julgamento”, explicou à BBC News Brasil, na véspera do início do julgamento, o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Christiano Fragoso.
A confissão é “muito forte” como prova de um crime, apontou o professor, mas ele ressalvou que existem casos raros em que uma confissão é falsa — por exemplo, por medo de retaliação ou por pressão externa.
De toda forma, Fragoso afirmou que “a mera confissão não exonera a acusação de comprovar que um fato aconteceu, que aquela pessoa é culpada”.
O MPRJ havia pedido 84 anos de prisão para cada réu — e o tempo de prisão determinado ficou abaixo disso, principalmente no caso de Élcio de Queiroz.
Entretanto, os réus não devem ficar na prisão por todo o período definido pela sentença desta quinta-feira.
O Código Penal determina que uma pessoa não pode passar mais de 40 anos na prisão.
Fragoso diz que a decretação de penas superiores a isso continua sendo importante para o cálculo de benefícios como a progressão de regime e a liberdade condicional, mesmo que essa longa pena não vá ser efetivamente cumprida.
Outra possibilidade de redução de pena é o preso trabalhar, em geral na própria penitenciária — a cada três dias trabalhados, o detento reduz em um dia sua pena.
Já a progressão do regime, de fechado para semiaberto por exemplo, Fragoso vê como mais difícil para crimes hediondos como homicídio, pelo qual Lessa e Queiroz responderam.
“A quantidade de pena que você tem que cumprir primeiro, para sair do regime fechado para o semiaberto, é uma fração alta. Além disso, existem requisitos que são subjetivos”, afirma o professor.
“Por exemplo, mesmo depois de cumprir uma quantidade de pena, quando é crime com violência ou grave ameaça, exige-se que passe por uma perícia que diga que cessou a periculosidade daquela pessoa. Isso é muito difícil conseguir em um caso desse.”