Como eleição na Venezuela se tornou ‘maior teste’ para política externa de Lula

Política

O desfecho das eleições venezuelana se tornou “um desafio enorme” e “o maior teste” para a diplomacia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, afirmam analistas em política externa ouvidos pela BBC News Brasil.

O Conselho Nacional da Venezuela (CNE) divulgou que o presidente Nicolás Maduro venceu as eleições realizadas no domingo (27/7), mas os resultados foram contestados pela oposição, que disse ter havido fraude “grosseira” para modificar os números.

Em sua primeira reação, o governo brasileiro evitou apoiar qualquer um dos lados e disse que aguardaria mais informações sobre os resultados das urnas, já que o CNE divulgou inicialmente apenas dados gerais, sem dar transparências aos números de cada mesa eleitoral, o que permitiria a checagem dos resultados.

Em nota, o Itamaraty defendeu que a divulgação dos dados desagregados por mesa de votação é “passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”.

A vitória de Maduro foi anunciada pelo presidente do CNE, Elvis Amoroso, na madrugada de segunda-feira. Segundo ele, o presidente foi reeleito por 51,2% dos votos, contra 44,2% do opositor Edmundo González, com 80% das urnas apuradas.

Já María Corina Machado, principal líder da oposição, inabilitada para exercer cargos públicos e apoiadora de González, afirmou que as atas de votação transmitidas das mesas eleitorais ao CNE dão vitória para a oposição.

Lula e seu partido (PT) foram, historicamente, importantes aliados do governo venezuelano, desde que Hugo Chávez chegou ao poder em 1999 e foi sucedido por Maduro, após sua morte em 2013.

No entanto, notam analistas políticos, essa aliança acabou se enfraquecendo, conforme aumentaram os questionamentos sobre o autoritarismo do governo Maduro e o apoio ao governo venezuelano se tornou fator de desgaste interno para Lula e o PT.

O presidente brasileiro inclusive criticou declaração de Maduro de que haveria “banho de sangue, em uma guerra civil fratricida” se ele não vencesse as eleições. E o líder venezuelano reagiu dizendo que o sistema eleitoral brasileiro não seria auditável como o da Venezuela, o que foi repudiado, no Brasil, pelo Tribunal Superior Eleitoral, que desistiu de enviar dois observadores para acompanhar o pleito.

É nesse contexto que o diplomata aposentado Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, avalia a eleição venezuelana como “o maior teste nesse ano e meio de governo do Lula na política externa”.

“Vamos ver se o governo vai atuar com base nos interesses brasileiros ou de acordo com princípios ideológicos”, disse ainda à BBC News Brasil.

Sua expectativa é que o governo Maduro não vai divulgar os dados detalhados da votação, deixando o Brasil numa “sinuca de bico”.

“Não sei como [a diplomacia e o governo Lula] vão sair dessa. Já arranjaram desculpa, disseram [o governo Maduro] que um hacker entrou lá no sistema eleitoral, então vão dizer que não tem ata”, acredita Barbosa.

‘Itamaraty colocou pressão sobre regime Maduro’

de um lado ou de outro”, diz.

Antes da eleição, a maioria das pesquisas no país indicavam que o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, liderava a corrida presidencial.

Del Vecchio considera que foi “muito acertada” a decisão do governo Lula de demandar informações mais completas do resultado eleitoral antes de se posicionar.

“Inclusive porque, pelo que tenho conversado com muitos especialistas e observadores internacionais, o sistema de votação venezuelano é muito seguro”, afirmou.

“Mas, para que essa segurança se efetive, o processo eleitoral precisa ser completo. Então, o que o Brasil está pedindo é justamente que o processo transcorra até o final com essa confirmação de votos através da entrega de atas (de votação das mesas eleitorais), o que pode confirmar que o resultado divulgado é de fato o resultado obtido nas urnas”, acrescentou.

Para Del Vecchio, o pedido do Brasil por dados mais transparentes “não extrapola limites da diplomacia brasileira”.

“Esse princípio [de não intervenção] tem limites. E eu acredito que observar a autodeterminação do Estado venezuelano, em alguma medida, também significa fazer esforços para que o país consiga conduzir um pleito eleitoral justo e limpo”, argumenta.

“Pensando em outros princípios das nossas relações exteriores, inclusive nas nossas estratégias enquanto liderança regional, o Brasil tem um papel muito importante de balizar boas práticas democráticas na região. Entendo que essas medidas que o país tem tomado vêm nessa linha”, reforçou.

Quais podem ser os próximos passos do Brasil?
Se não houver a divulgação das atas eleitorais, o governo brasileiro enfrentará um “impasse” sobre reconhecer ou não a eleição de Maduro, prevê Del Vecchio.

Ainda assim, ele acredita que o Brasil pode seguir uma postura pragmática, mantendo as relações com o governo venezuelano, apesar das contestações ao resultado.

“Talvez nunca se chegue a um resultado que o Brasil possa reconhecer plenamente, mas, tacitamente, ele o tenha que fazer em razão de relações diplomáticas, comerciais e até estratégicas em termos de geopolítica com o nosso vizinho venezuelano”, analisa.

“E claro, também deve haver um cuidado por parte do Lula de ser pragmático. Em alguma medida, ele precisa reconhecer o governo do Maduro, mas ele também não precisa mostrar grande conivência e amizade com o mandatário”, ressalta.

Para Dawisson Belém Lopes, professor da UFMG, a reação do governo brasileiro, caso não sejam divulgados dados confiáveis do resultado eleitoral, dependerá dos desdobramentos internos da Venezuela.

“O que vai acontecer é muito contingente de qual será a reação da sociedade venezuelana. Eu acho que esse é o primeiro e mais importante vetor. O papel do Brasil não pode ser primário nesse processo”, afirma.

“Dependendo do grau de conflagração, de conflito social na Venezuela, a resposta pode ser uma ou outra, ou uma terceira”, reforça.

Já o embaixador Rubens Barbosa acredita que o governo Lula vai aguardar a reação de outros atores internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Centro Carter, principal organização internacional que acompanhou as eleições na Venezuela.

As duas instituições também pediram que sejam divulgados dados detalhados da apuração eleitoral.

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