A sessão, no 4º Tribunal do Júri da Justiça do RJ, ocorre mais de 6 anos após o atentado, em 14 de março de 2018.
Começou às 10h30 desta quarta-feira (30) o julgamento dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
A sessão, no 4º Tribunal do Júri da Justiça do RJ, ocorre mais de 6 anos após o atentado, em 14 de março de 2018. Os réus assistem por videoconferência da cadeia onde estão presos.
Irmã de Marielle, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, assistia à sessão na primeira fileira do plenário entre a filha de Marielle, Luiara, e o pai, Antônio. Durante quase toda a manhã, manteve a cabeça no ombro da sobrinha.
O presidente do tribunal, desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, comentou os preparativos para o julgamento. “Por estarem em prisões federais, os réus vão acompanhar toda a sessão e prestar depoimentos de modo remoto. O mesmo sistema será oferecido para algumas testemunhas que se sintam ameaçadas, garantindo a sua preservação. A tecnologia também estará presente com a transmissão do julgamento ao vivo pelo YouTube”, disse o desembargador.
Depuseram nesta quarta:
Fernanda Chaves, assessora de Marielle e sobrevivente do atentado;
Marinete Silva, mãe de Marielle;
Mônica Benício, viúva de Marielle e vereadora reeleita no Rio;
Ágatha Arnaus, viúva de Anderson;
Carlos Alberto Paúra Júnior, policial civil que fazia parte do núcleo que investigou o carro usado no crime;
Luismar Cortelettili, agente da Polícia Civil do Rio.
Carolina Rodrigues Linhares, perita criminal
Guilhermo Catramby, delegado da Polícia Federal e primeira testemunha de defesa
Marcelo Pasqualetti, policial federal
Ronnie Lessa, réu
Élcio Queiroz, réu
Para entender o julgamento em 5 pontos
Ronnie e Élcio respondem por 3 crimes (duplo homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e receptação) e podem ser condenados a 84 anos cada um.
A previsão é de pelo menos 2 dias de sessão, com o depoimento de 9 testemunhas.
O destino da dupla será decidido por 7 jurados, todos homens, sorteados de um grupo de 21 pessoas.
Caso o júri decida pela condenação, a juíza Lúcia Glioche calculará a pena deles.
Há um processo paralelo no STF, que julga os irmãos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa como mandantes. Corre lá por causa do foro dos réus.
1ª testemunha: Fernanda Chaves
A 1ª a falar foi a assessora Fernanda Chaves, sobrevivente do atentado. Ela participou da sessão por videoconferência e pediu que os réus não assistissem ao depoimento.
A jornalista começou a fala relembrando o 14 de março de 2018. “O carro estava bem devagar. Foi quando teve uma rajada. Num reflexo, eu me encolhi no banco do Anderson. Os tiros já tinham atravessado a janela. O Anderson esboçou dor, falou um ‘ai’. Marielle estava imóvel, e eu senti o corpo dela sobre mim”, narrou.
“Eu acreditava que o carro tinha passado pelo meio de um tiroteio. Abri a porta e desci engatinhando com muito cuidado. Eu estava ensanguentada, muito suja de sangue. E comecei a gritar por socorro, pedir ajuda, por uma ambulância”, prosseguiu.
“Eu sentia que meu corpo inteiro ardia. Eu olhei para dentro do corpo e esperava que Marielle estava desmaiada. Eu não queria acreditar que ela estivesse morta.”
O Ministério Público do Rio de Janeiro perguntou a Fernanda o que mudou na vida dela com o atentado.
“Minha vida mudou completamente. Embora sejam que quase 7 anos desse atentado, não há normalidade. Eu tive que sair do país. Fui orientada a sair imediatamente da minha casa. Eu saí de casa 2 dias e meio depois com meu marido e a minha filha, após aguardar o trâmite da Anistia Internacional, que ofereceu um acolhimento”, afirmou.
“Eu fazia parte da coordenação política dela, mas antes disso tínhamos quase 15 anos de amizade. Eu não pude ir ao velório, ao enterro, à missa de sétimo dia. As pessoas acham glamuroso estar fora do país, mas eu queria estar lá.”
“O impacto sobre a minha filha foi o mais preocupante para a gente. A minha filha, no dia que saímos do Rio de Janeiro, a gente teve que sair em um carro escoltado, abaixados, eu estava de boné. Parecia que eu estava fugindo. Ela se sentiu em fuga. Quando a gente entrou no avião e anunciou a decolagem, ela simplesmente virou para mim e falou: ‘Mamãe, o que é assassinato?’. Ela desconhecia o que era isso. Em um primeiro momento evitamos falar o que tinha acontecido. Ela achava que era um acidente de carro.”
2ª testemunha: Marinete, mãe de Marielle
A 2ª a depor foi Marinete Silva, mãe da vereadora. A fala começou com uma descrição de como era Marielle, desde a gravidez e a infância. “A falta que a minha filha faz é imensurável”, declarou.
Marinete contou que foi contrária à candidatura da filha. No entanto, ela afirmou que em 2018 a parlamentar estava vivendo o melhor momento profissional.
“Eu fui contra [à candidatura], isso era público. Eu não sentia coisa boa no meu coração em relação ao mandato partidário. Eu nunca tive partido, então isso me preocupou bastante. Mas quem era eu na época para contrariar os desejos de uma mulher de 38 anos? O partido não tinha uma candidata negra, e por isso ela foi”, disse Marinete.
3ª testemunha: Mônica Benício, viúva de Marielle
A 3ª testemunha foi a vereadora reeleita Mônica Benício, viúva de Marielle. Ela se emocionou logo no início do depoimento e ficou em silêncio por alguns minutos. “A Marielle era uma das pessoas mais companheiras que já conheci.”
Marielle estava no momento mais feliz da vida dela”, lembrou, sobre o março de 2018. “Era uma figura política em ascensão. Tinha agenda política nos 7 dias da semana. Estava feliz com o retorno do trabalho dela”, emendou.
A vereadora afirmou que Marielle tinha variadas causas na Câmara dos Vereadores do Rio, e uma delas era a questão fundiária — relacionada à ocupação do solo urbano e moradia — e que isso pode ter sido a causa da morte da companheira.
“Com toda certeza ela tinha a preocupação da defesa da cidade. Como era uma pauta que me interessava, eu sempre acompanhei de perto. Ela tinha uma arquiteta urbanista que estava no mandato dela para discutir a cidade de maneira interseccional. A gente pensa a cidade de muitas frentes. E como a Marielle defendia a questão da moradia de forma digna, da favela e periferia, isso era um debate”.
4ª testemunha: Ágatha Arnaus, viúva de Anderson
A 4ª a falar foi Ágatha Arnaus, viúva do motorista Anderson. A advogada lembrou como foi o último dia de vida do marido e como foi enfrentar o luto.
A viúva contou que Anderson se preparava para uma vaga de mecânico de aviação, formação que ele tinha e queria seguir. No tribunal, o promotor mostrou áudios do homem em sua última conversa com a esposa e um vídeo dele descobrindo que seria pai: um dos seus maiores sonhos.
Ágatha lembrou que o filho era desejado desde a época do namoro, e que Anderson sofreu ao saber que ele teria uma condição especial rara, mas que não perdeu a fé e sempre deu apoio à mulher. Para ela, o filho sofreu consequências psicológicas no desenvolvimento por conta da morte do pai.
Arthur, que tinha 1 ano e 8 meses, teve ainda um exame genético prejudicado pelo crime pois dependia da coleta de Anderson. O exame fazia parte da investigação do diagnóstico do menino.
“Eu nunca tinha feito nada sem o Anderson, sempre tive ele ao meu lado. Eu tinha 27 anos e não consegui processar tudo. Eram várias coisas para equilibrar, não sabia se voltava a estudar, queria fazer algo pra mim. Eu lembro de uma frase que meu pai me disse: ‘tudo que eu fizesse a partir dali seria a 1ª vez sem o Anderson’”, relembra ela.
5ª testemunha: Carlos Alberto Paúra Júnior
O investigador falou sobre o processo de investigação para definir que o carro usado no crime foi clonado e para localização das placas.
6ª testemunha: Luismar Cortelettili
Luismar Cortelettili, agente da Polícia Civil do Rio, explicou como foi estabelecido nas investigações que Élcio de Queiroz esteve na região da casa de Ronnie Lessa no dia do crime e que estiveram na região do Bar Resenha após o crime.
7ª testemunha: Carolina Rodrigues Linhares
Foi exibido uma gravação de um depoimento da perita criminal, Carolina Rodrigues Linhares. No vídeo, ela explicou como foi feita a perícia em estojos de projéteis recolhidos no dia do crime e a comparação com a submetralhadora MP5, de calibre 9 mm que foi usada no crime. A conclusão que essa arma foi usada foi tomada após a reprodução simulada do caso.
8ª testemunha: Guilhermo Catramby
Delegado de Polícia Federal, Catramby foi a primeira testemunha de defesa. Ele detalhou a investigação da PF sobre o caso, disse que havia um cenário “árido” na apuração do crime e falou sobre o que as colaborações dos acusados trouxeram. “A colaboração do Élcio levou a investigação a outro patamar”, afirmou.
9ª testemunha: Marcelo Pasqualetti
O policial federal Marcelo Pasqualetti foi convocado pela defesa de Ronnie Lessa. Ele falou sobre as investigações sobre a arma usada no crime e disse q a PF não conseguiu confirmar como o Lessa a conseguiu.
Réu: Ronnie Lessa
O assassino confesso de Marielle e Anderson deu detalhes sobre como cometeu os crimes, o que abalou parentes das vítimas. Ele também disse que Marielle se tornou “pedra no caminho” dos mandantes do assassinato. Ronnie também deu detalhes sobre como o crime foi cometido, como o momento do emparelhamento do carro dirigido por Élcio Queiroz no momento em que ele fez os disparos. Posteriormente, também pediu desculpas às famílias das vítimas.
Réu: Élcio Queiroz
O ex-PM Élcio Queiroz, que dirigiu o Cobalt usado no atentado, contou em seu depoimento que não conhecia Marielle Franco antes do assassinato e que não sabia do plano para matar a vereadora. Segundo ele, até o dia do crime, ele não sabia que Lessa tinha Marielle como um alvo. Élcio também contou que não sabia que participaria de um homicídio até chegar no local do evento onde estava a vereadora, na Lapa. Segundo ele, Lessa o chamou para um “trabalho” e disse que ele precisaria dirigir, mas sem dar detalhes do “trabalho.
Após o crime, o réu contou que foi junto com Lessa para um bar na Barra da Tijuca, onde ficaram bebendo até a madrugada. Élcio também contou que Lessa disse para ele que a motivação para o crime era pessoal.
O ex-PM ainda afirmou que, desde a sua prisão, queria fazer um acordo de delação premiada para tentar redução de pena.
Fonte: G1