Durante os próximos 60 dias, 61 cientistas de sete países diferentes vão embarcar numa expedição que vai dar a volta na Antártida.
A missão será liderada pelo explorador polar brasileiro Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CPC-UFRGS).
Ao longo dos dois meses, a equipe de especialistas fará uma série de medições e coletas de amostras, para verificar as dinâmicas do gelo no Polo Sul do planeta e como as mudanças climáticas afetam a região.
Embora outras expedições do tipo já tenham sido realizadas — a primeira delas aconteceu no século 18 sob o comando do famoso explorador inglês James Cook —, a viagem atual será aquela que passará mais próximo da costa até hoje.
“O pioneirismo da expedição está em ser realizada o mais perto possível da costa antártica. Esperamos ter dados sobre a linha de flutuação das geleiras e simultaneamente apoiaremos um levantamento geofísico dessas frentes de geleiras para entender como elas respondem ao aquecimento da atmosfera e do oceano”, antecipa ele.
Em entrevista à BBC News Brasil, Simões detalhou os principais objetivos da missão e como foi o preparo para partir rumo ao continente gelado.
Os detalhes da circunavegação
Simões explica que a ideia de fazer uma missão do tipo surgiu em discussões realizadas no Comitê Científico de Pesquisa Antártica, grupo que reúne 46 países.
Aliás, ele é o representante do Brasil nesse comitê e ocupa o cargo de cientista sênior do Programa Antártico Brasileiro.
“Numa das reuniões, tive uma boa conversa com os colegas do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, da Rússia”, lembra ele.
Esse instituto de pesquisa tem à disposição o navio quebra-gelos Akademik Tryoshnikov, que possui as especificações necessárias para uma expedição do tipo — afinal, como o próprio nome indica, essa embarcação é capaz de atravessar regiões de mar congelado, algo praticamente impossível para outros barcos.
“No início, nossa ideia era convidar mais pessoas para o projeto. No entanto, devido a toda a situação geopolítica do momento, a expedição se tornou algo basicamente dos quatro integrantes mais importantes dos Brics [grupo que reúne economias emergentes] e de alguns outros países sul-americanos”, diz o explorador polar.
O time que fará a circunavegação contará com 61 cientistas, 27 deles brasileiros. Os demais vêm de Argentina, Chile, China, Índia, Peru e Rússia.
O navio quebra-gelo parte no dia 22 de novembro da cidade gaúcha de Rio Grande e segue direto, sem escalas, até a Antártida, onde dará uma volta no sentido horário e percorrerá mais de 20 mil quilômetros.
Ao todo, a embarcação fará 16 paradas no continente gelado, para coletar material em diversas regiões.
A previsão é que a missão termine cerca de dois meses depois, no dia 25 de janeiro de 2025.
Em busca de respostas
Simões explica que as medições e as coletas que serão feitas durante a viagem têm como objetivo responder três questões científicas principais.
“Primeiro, queremos entender qual é a estabilidade do manto de gelo que cobre a Antártida”, detalha ele.
“Nós sabemos que a Antártida já contribui para o aumento do nível do mar, embora a maior parte desse processo ainda esteja relacionada ao que acontece na Groenlândia e nas geleiras espalhadas pelos oceanos.”
“Só que as projeções indicam que, na próxima década, a Antártida vai se tornar o principal componente desse fenômeno”, antevê ele.
Mas o pesquisador destaca que algumas hipóteses apontam que parte do manto de gelo da Antártida pode ser “dinamicamente estável” por questões como a inclinação do terreno — ou seja, será que a partir de certo momento a água descongelada vai começar a correr para o oceano ou para o centro do continente?
Em segundo lugar, o time de especialistas quer avaliar “as rápidas mudanças no Oceano Austral”, também chamado de Oceano Antártico.
“Esse oceano é um dos que tem apresentado os sinais mais amplificados das mudanças climáticas”, resume Simões.
O pesquisador explica que a região sofre com fenômenos como o aumento da temperatura da superfície do oceano e da atmosfera.
“Também ocorre a diminuição da salinidade, porque a Antártida está despejando água doce, que vem das geleiras, no mar”, acrescenta ele.
Outra coisa que preocupa os cientistas é a elevação da acidez do Oceano Austral.
Por ser mais frio, ele absorve uma quantidade maior de dióxido de carbono — o gás que é lançado em grandes quantidades na atmosfera a partir da queima de combustíveis fósseis.
Os especialistas querem entender como essa alteração já afeta a vida marinha, em especial a de micro-organismos como o fitoplâncton.
Por fim, o terceiro grande objetivo da expedição é o de entender como a poluição atmosférica e de microplásticos chega até o Polo Sul.
“Uma das questões que queremos responder é se as queimadas intensas que vimos neste ano no Brasil causaram algum prejuízo na Antártida. Alguns modelos climáticos dizem que sim, mas vamos pegar amostras de gelo e de neve para ver se isso chegou até lá mesmo”, conta Simões.
O pesquisador da UFRGS destaca que, após os dois meses de coleta de dados, os cientistas voltam para seus países e começam a realizar análises em laboratórios.
“Esse processo deve levar cerca de dois anos e publicaremos os resultados finais do trabalho em cerca de três ou quatro anos”, projeta ele.
Praticamente um Big Brother
Simões entende que, além de encontrar respostas para questões importantes sobre a Antártida e o impacto disso no resto do mundo, a expedição funcionará como um projeto de diplomacia da Ciência.
“E meu grande desafio como líder da expedição será lidar com sete culturas diferentes, com pessoas que falam línguas completamente distintas e ficarão num navio durante dois meses”, confessa ele.
O explorador brinca que a situação se assemelha ao que é vivido por participantes de reality shows, como o Big Brother.
“Por outro lado, estaremos num ambiente extremamente rico, com profissionais treinados e com experiência de trabalhar em diferentes institutos polares”, pondera o professor.
Uma estratégia que Simões traçou para aproximar as pessoas envolve a comida.
“O navio tem uma alimentação de origem basicamente russa, mas estamos levando uma quantidade enorme de ingredientes brasileiros, como arroz e feijão, para termos pelo menos duas refeições típicas de nosso país por semana para todos os participantes”, diz ele.
O explorador também acrescentou na bagagem 100 pacotes de pão de queijo.
“E, como bons gaúchos, teremos erva-mate para fazer chimarrão durante toda a viagem”, conclui ele.
Fonte: BBC Brasil