Indicada ao Oscar 2025 de Melhor Atriz, a brasileira Fernanda Torres comparou o prêmio ao Everest, a montanha mais alta do mundo.
“Se eu conseguir um lugar na base 1 do Everest, eu ficarei mais que satisfeita, mas ganhar…”,disse a atriz em entrevista ao programa de rádio Weekend, do serviço mundial da BBC, dias antes da indicação ao prêmio da Academia americana.
“Eu odeio expectativas. Sou uma pessimista por natureza. E o que vier, vou ficar feliz. Sabe, estou mais do que feliz com o meu pesado Globo de Ouro na minha mala.”
“Mas eu não meço a vida em termos de ganhar ou perder”, afirmou então.
Ainda estou aqui recebeu mais duas indicações, além da da atriz: Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro. É a primeira vez que um filme brasileiro é indicado na principal categoria do Oscar.
Filme ensina aos jovens ‘o que significa viver em uma ditadura’
A carioca foi a primeira atriz brasileira a levar o Globo de Ouro, derrotando nomes conhecidos mundialmente como Nicole Kidman, Tilda Swinton e Kate Winslet.
Ela comparou ter ganhado o Globo de Ouro a subir o K2, a segunda montanha mais alta do mundo.
“Eu era o cavalo azarão naquela noite, e foi bonito de ver, porque é um ano muito especial para performances femininas — performances incríveis, e também coisas muito bonitas de mulheres maduras”, afirmou à BBC.
A atriz de 59 anos dedicou o Globo de Ouro à sua mãe, Fernanda Montenegro — que, em 1999, foi indicada ao mesmo prêmio e ao Oscar de melhor atriz por sua atuação em Central do Brasil, mas perdeu para Cate Blanchett e Gwyneth Paltrow, respectivamente.
A conexão entre as conquistas de mãe e filha é inevitável — inclusive porque tanto Central do Brasil quanto Ainda estou aqui foram dirigidos por Walter Salles.
E é interpretando uma mãe da vida real que Fernanda Torres está alcançando voos tão altos com Ainda estou aqui: ela faz o papel de Eunice Paiva (1929-2018), esposa de Rubens Paiva, político brasileiro desaparecido e morto durante a ditadura militar no Brasil.
O longa é baseado em livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, um dos cinco filhos de Eunice e Rubens.
“Marcelo escreveu o livro porque a mãe dele estava começando a ter Alzheimer. Ele pensou: se eu não escrever isso, a memória dela vai ser esquecida junto com a memória do país”, relatou a atriz.
Para Torres, o filme está ensinando aos jovens “o que realmente significa viver em uma ditadura”, em um momento em que o Brasil “estava perdendo sua memória”.
“Muitos jovens que foram criados durante o período democrático… A democracia não resolveu nossos problemas, a desigualdade e tudo mais. Eles [os jovens] começaram a pensar que talvez uma economia liberal com um toque de ditadura iria resolver nossos problemas, porque eles não tinham qualquer memória da ditadura.”
A atriz considera que o momento atual é “distópico” — como o período retratado no filme.
“Não é só no Brasil. Acho que a Eunice Paiva e a família Paiva foram vítimas da Guerra Fria, um momento muito distópico no mundo”, afirmou. “E tem muito a ver com o momento que estamos vivendo agora, eu acho.”
‘Não é um filme que te destrói’
Fernanda relata que, mesmo diante de um drama familiar e político do país, Eunice decidiu “não se tornar uma vítima”.
“Eunice sempre teve essa percepção de que, se se colocasse como uma vítima, a ditadura teria ganhado”, diz a atriz, citando a marcante cena de Ainda estou aqui em que Eunice insiste em sorrir com os filhos para um retrato, após o fotógrafo de uma revista sugerir que a família — já sem Rubens Paiva — posasse de uma forma “menos feliz”.
“Mesmo nas entrevistas que eu assisti para interpretar Eunice, ela sempre estava sorrindo.”
Segundo a atriz, Eunice foi “criada para ser a dona de casa perfeita dos anos 1950”.
“Foi criada para ser a grande mulher por trás do grande homem”, comentou Torres.
“Então ela é uma mulher que, depois de abrir mão da vida utópica dela, é aí que ela se torna ela mesma.”
“Ela conseguiu sair e se reinventar depois de uma tragédia como essa”, disse a atriz na entrevista à BBC, acrescentando que Eunice Paiva formou-se em Direito aos 46 anos e se tornou uma ativista pelos direitos humanos e pelos povos indígenas.
Era uma “mulher à frente do seu tempo”, concluiu Torres.
“É um filme sobre uma história triste, mas você sai do cinema muito tocado e com sentimento de esperança, eu acho. Não é um filme que te destrói. É um filme sobre uma família que foi capaz de sobreviver sorrindo, dizendo ‘sim’ para a vida.”
Fonte: BBC Brasil