“Houve quem defendesse o bom nome da Igreja em detrimento da verdade. O Papa Francisco combateu essa tentação”

Igreja

ENTREVISTA || Conquistou católicos e não-crentes, rompeu com protocolos para se aproximar das periferias e promoveu uma Igreja inclusiva. Em entrevista, o padre Tiago Neto, investigador e doutorado em Teologia Prática, define o legado do Papa Francisco, garantindo que nunca viu os seus ideais como utópicos. Aliás, diz, uma das suas grandes lições foi provar que também “é de carne e osso”, que “também é um homem frágil, pecador”

CNN – O Papa Francisco conquistou uma popularidade notável, não só entre católicos, mas também entre ateus e não-crentes. Como explica esta capacidade de Francisco de cativar quem não acredita na Igreja Católica?
Pe. Tiago Neto – Isso tem a ver muito com o carisma pessoal. Penso que tem a ver com essa capacidade criativa do Papa Francisco em realizar sinais, muitas vezes até um bocadinho disruptivos, no sentido em que o Papa quebrava os protocolos e queria sempre manter uma grande proximidade às pessoas. De alguma forma, esta popularidade acho que tem muito a ver com a força dos sinais, ou seja, os gestos que realizava, a inteireza de cada situação em que estava: para o Papa, nenhuma situação era outra situação. Era quase como se fosse única. E penso que esse carácter de autenticidade dos gestos e das palavras e dos sinais que ele deixa, de facto, traduzem um bocadinho aquilo que é esta dimensão da sua popularidade e da sua transversalidade. No caso do Papa Francisco, penso que essa mensagem, essa força, está muito vinculada àquilo que é o seu perfil, o seu carisma, como uma pessoa próxima das pessoas.

CNN – Há uma sensação de que ele é admirado, apesar de ser o representante da Igreja Católica, em vez de o ser por causa do seu cargo.
TN – Sim, especialmente em sociedades como a nossa, com alguma tradição católica, o Papa é respeitado por pessoas fora e dentro da Igreja. Mas podemos dizer que este foi um Papa muito respeitado e muito admirado por pessoas que não têm vinculação à Igreja. E isso deve-se, de facto, à sua forma de criar pontes. O Papa sempre procurou chegar aos que estavam de fora.

Por exemplo, desde o início do seu pontificado, o Papa sempre procurou falar das periferias, não se referindo a elas de forma simbólica, mas indo ao encontro dessas pessoas, falando dos problemas concretos delas. Toda a questão da sua visão política e económica parte dos pobres. A pobreza, a falta de habitação, a fome. Na verdade, é um homem que procura chegar a todos, procura ter uma linguagem, uma forma de estar, inclusiva, no sentido de chegar a todos, para que todos se sintam tocados, e que todos possam também de alguma forma dar o passo, se quiserem, livremente, de entrar na vida da Igreja. Creio que isso tem muito a ver também com aquilo que é o seu enraizamento cultural e teológico. O Papa Francisco, de facto, vem de um meio, podemos dizer, popular e de uma teologia de todo o povo, e não de elites, não de grupos fechados, e, de alguma forma, procura uma abertura e uma transversalidade que procura chegar a todos e procura de alguma forma que todos possam sentir-se pertença.

CNN – Desde logo, Francisco escolheu viver na Casa de Santa Marta em vez do Palácio Apostólico do Vaticano. Como é que este gesto moldou a perceção da Igreja Católica?
TN – Exato e também, de alguma forma, o próprio nome Francisco evoca não só a questão do cuidado pela criação, mas também uma certa simplicidade. O Papa Francisco trouxe uma vontade de desmistificar a figura do Papa como um outro diferente de nós. É claro que ele é diferente, é claro que ele tem um ministério específico, é claro que ele tem um simbolismo próprio, mas não há esta consideração do Papa como um ser acima dos outros, mas como um que está no meio do povo, está no meio de nós, está ao nosso lado, caminha à nossa frente. Ele é de carne e osso, é também um homem frágil, pecador e, portanto, de alguma forma, o Papa procurou dizer: “Bom, se eu estou aqui neste caminho, vocês também podem estar.”

CNN – O Papa Francisco prometeu reformas profundas numa Igreja marcada por escândalos de corrupção e abusos, mas optou por um estilo de liderança mais livre, menos ancorado nos mecanismos tradicionais de governação. Pergunto-lhe se este estilo fragilizou a sua forma de agir perante os escândalos que atravessou?
TN – Aquilo que podemos chamar de uma lacuna neste exercício do governo tem a ver com o próprio facto de Papa ter privilegiado não uma forma de governação autoritária e centrada nele, mas ter procurado um caminho de sinodalidade, ou seja, um caminho em que ele procura envolver o máximo de pessoas na reflexão sobre a realidade e sobre as suas reformas.

No fundo, a fragilidade vem do processo de envolver mais pessoas. E que no fundo é uma fragilidade por um lado, mas por outro é uma vantagem, porque nós tivemos processos sinodais, de reflexão sobre a vida da Igreja, sobre o caminho que a Igreja deve viver e que as pessoas devem assumir face aos problemas da sociedade, em que participaram, como nunca tinha acontecido, sobretudo neste último sínodo, milhares e milhões de pessoas. Claro que a nível interno, daquilo que é a perspectiva mais centrada na vida da Igreja, há tensões. E há tensões entre aquilo que são dinâmicas mais de abertura ou de fechamento, com grupos mais tradicionalistas do ponto de vista até litúrgico e conceitual. Mas, de qualquer modo, penso que o Papa Francisco procurou, de alguma forma, não exercer um tipo de governo que ostracizasse ninguém, mas sim um tipo de governo em que todos pudessem, de alguma forma, conviver na sua diferença e na sua pluralidade.

CNN – Há um caso bastante paradigmático disso. O de Mauro Inzoli, um sacerdote italiano condenado por abusos sexuais de menores. Em 2014, o Papa reverteu a sua excomungação, permitindo que continuasse ativo até ser novamente condenado em 2017. Acha que o seu método de governação levou-o a ficar menos alerta?
TN – Houve no pontificado do Papa Francisco algumas situações em que o Papa, de alguma forma, não estava devidamente informado. Tanto nesta situação que explicou, como na do Chile, em que o Papa defendeu um padre que se demitiu após ser acusado de abusar três crianças. Mas nós de facto temos um Papa que é humano. E o sistema tem também as suas falhas. De alguma forma, a Igreja também tem esta dimensão de não conseguir abarcar a totalidade da informação, nem de a conseguir ter toda disponível. Houve situações em que se verificou que o Papa não tinha toda a informação e em que ele depois reconheceu isso e corrigiu-se.

Em qualquer circunstância, o Papa deu um contributo inestimável para o modo como a Igreja introduziu reformas concretas em como lidar com situações de abuso sexual ou outro tipo de abuso. Necessariamente, temos que dizer que foi o Papa Francisco que deu um contributo importante para conhecer o problema da Igreja e para introduzir medidas de reforma. Há hoje normativas, regras, modos de agir e uma tolerância zero para essas questões e isso é algo que temos de agradecer ao Papa Francisco.

CNN – Um dos passos que deu para tentar travar a multiplicação de abusos foi a criação da Comissão Tutela Minorum. Mas mesmo esta teve dificuldade em avançar e registaram-se uma série de demissões nos últimos anos provocadas pela resistência da Cúria ao seu trabalho. De onde vem esta resistência?
TN – Temos de considerar nestas situações que houve quem defendesse o bom nome da Igreja em detrimento da verdade. E isso nunca pode acontecer. Mas essa tentação existe. E o Papa Francisco combateu-a. Defender o bom nome de uma instituição em detrimento da verdade e daquilo que é, de alguma forma, tudo o que deve ser posto a claro, com caridade, com respeito para as pessoas. Muitas vezes, penso que ainda há uma certa tendência para subvalorizar a imersão institucional da Igreja no sentido de preferir defender a sua imagem, do que propriamente enfrentarmos os problemas com com a humanidade e com o realismo e com a verdade que eles têm. Portanto, às vezes a verdade custa-nos, mas é mais curativa do que propriamente algum mascarar da realidade que nós possamos.

Por outro lado, especialmente neste tema, há pessoas que preferiam que as coisas acontecessem mais depressa, mas os processos são lentos e muitas vezes os processos não avançam como gostaria. Creio que as demissões têm a ver com isso e com o facto de ser um tema novo, e as pessoas partirem perspectivas diferentes.

CNN – Um dos discursos míticos do Papa Francisco acontece no Natal de 2014. Ali, à Cúria Romana, Francisco surpreendeu ao confrontar diretamente os prelados, acusando-os de carreirismo, ganância, “terrorismo da má-língua”. Como é que esta crítica moldou o tom do seu pontificado?
TN – De alguma forma, Francisco, quando fala da cúria, fala daquilo que é a nossa vida. Há a sensação de que o Papa estava contra a cúria. Mas o facto de ser capaz de identificar algumas doenças, algumas dificuldades, alguns problemas não é sinónimo de estar contra, mas de estar a favor, de a querer melhorar. O Papa encontrou alguns problemas, sobretudo problemas económicos, e quis resolvê-los. E este Papa tinha sempre o condão de colocar o dedo na ferida. Em qualquer situação que falasse com qualquer pessoa, ele tinha sempre uma voz profética. E, portanto, penso que esta questão das doenças da cúria, tem a ver com o facto de exigir das pessoas que elas de facto correspondam àquilo que devam ser. E isso era comum àquilo que era o exercício do ministério do Papa Francisco.

CNN – Acha que esse tom se manteve até aos dias de hoje?
TN – Eu penso que o Papa sempre teve uma abordagem crítica, mas positiva do ser humano. Naturalmente, com a reforma da Cúria, houve algum desaceleramento, mas que também foi provocado pela interação com pessoas novas que foram renovando o sistema. Mas o facto de o Papa Francisco mudar um bocadinho a filosofia da Cúria para uma filosofia mais pastoral e mais ligada àquilo que é a dinâmica da evangelização e do modo como a Igreja se pode situar no mundo, não ser uma coisa tão organizativa, tão defensiva, mas mais ligada àquilo que é esta dinâmica de serviço à Igreja e ao mundo, penso que isso ajudou do ponto de vista daquilo que é a perspectiva de fora sobre a Cúria Romana.

CNN – Entre essas reformas na Cúria Romana, está a reestruturação de dicastérios, mas também a necessidade de maior transparência financeira. Que impacto é que estas mudanças terão na Igreja?
TN – A questão da transparência financeira, sobretudo naquilo que é o sistema financeiro do Vaticano, é um contributo inestimável para o futuro da Igreja. O Vaticano tem hoje um centro financeiro mais claro e transparente. Penso que um dos legados importantes do Papa Francisco neste tópico, é que, de facto, a igreja seja, a nível local, a nível de cada comunidade, mais transparente e organizada, em termos daquilo que é a sua dimensão financeira. Eu acho que esse é um contributo que deixa para o futuro. E é um legado importante para o concreto da vida das nossas comunidades cristãs, a questão da transparência a todos os níveis. Mas transparência não significa fazer da Igreja um noticiário ao vivo.

CNN – O que quer dizer com um noticiário ao vivo?
TN – Na Igreja sempre houve aquilo que é a dimensão do foro íntimo, aquilo que é a ligação com a intimidade das pessoas e com aquilo que é a sua dimensão mais interior. E a Igreja tem que ter a sua independência e autonomia para poder agir conforme aquilo que são os seus princípios internos. Não abalando aquilo que é a identidade das instituições, a sua forma de agir, mas sempre com princípios claros e com a demonstração de resultados e a demonstração de transparência.

CNN – Em 2023, Francisco autorizou bênçãos para casais do mesmo sexo, uma decisão histórica, mas controversa. Acha que isto abriu a porta ao casamento de pessoas do mesmo sexo?
TN – Não. O que tem havido é uma reflexão sobre este tema e tem havido, de facto, uma atenção pastoral a essas pessoas. Penso que o foco do Papa e as suas diretrizes tem a ver sempre com a pessoa – o que interessa, o mais importante valor supremo é a pessoa. E a pessoa respeitada na sua condição. O que não quer dizer que a pessoa esteja totalmente bem e não possa fazer um caminho de mudança, de melhoria, de conversão. Não se trata de uma alteração à perspectiva da Igreja sobre o matrimónio, muito menos sobre o sacramento.

A doutrina tradicional mantém-se. Mas, de facto, a Igreja não pode fazer de conta que a realidade não existe. Ou seja, a realidade existe, existem pessoas crentes que de facto assumem posições e opções de vida diferentes do matrimónio católico, e há pessoas crentes que de facto precisam de ser acompanhadas. De facto, a questão principal está na postura que a Igreja tem face a essas pessoas, se é de condenação ou se é de acompanhamento. Se é dizer que estão fora ou se também é possível essas pessoas estarem aproximadas de Jesus Cristo. E de estar dentro da Igreja. Não se trata propriamente de mudar a doutrina, mas de encontrar formas para que todos aqueles que querem possam, de alguma forma, sentir-se ligados à Igreja através do caminho que cada um tem que fazer.

CNN – Nessa altura, alguns bispos, especialmente no continente africano, recusaram implementar as bênçãos para casais do mesmo sexo, citando contextos culturais. Como é que se gere estas tensões dentro da Igreja?
TN – Naturalmente, porque de facto nós temos contextos diferentes. Essas questões tratam-se de forma diferente dado o contexto cultural. Eu acho que as tensões na Igreja se geram por aquilo que é a busca de consenso. E isso não é propriamente a opinião da maioria, mas é de facto procurar, à luz daquilo que é a perspectiva de cada um, à luz daquilo que nós reconhecemos como a ação do Espírito Santo, procurar o caminho que a Igreja deve seguir.

Mesmo naquilo que são essas tensões internas ou diferentes visões sobre uma situação, o que se deve buscar é o consenso. Agora, de facto, nós estamos a falar daquilo que é não uma benção de uma relação e de uma opção de vida, mas a benção de uma pessoa. E, portanto, em todas estas coisas, de facto, não há mudança da doutrina, mas há inovação da doutrina. E isso é relevante do ponto de vista deste pontificado, porque a Igreja, de facto, não pode apenas dizer que recebeu o depósito da fé como uma realidade intacta, como uma realidade que não tivesse evolução. E houve no pontificado do Papa Francisco, com certeza com algumas hesitações, mas houve um esforço de olhar para aquilo que pode ser a evolução de determinados pontos de vista, face àquilo que é o modo da igreja de se compreender a si mesmo.

CNN – Francisco foi também um forte oponente à Missa em latim. Restringiu-a em 2021 e isso gerou também sérias divisões. Que riscos viu Francisco nessa liturgia tradicional?
TN – A grande questão tem a ver com a consideração eclesiástica e o modo de compreender a liturgia. Portanto, com o Concílio de Trent nós recuperámos aquilo que é uma noção comunitária, podemos dizer assim, de Assembleia Litúrgica. E a revalorização de formas de celebrar afeta este princípio que tem a ver com a questão de uma Assembleia que não é apenas do Padre, mas celebrada por todos. Mesmo hoje em dia, nas nossas comunidades, independentemente do ritmo que nós tenhamos, independentemente da forma que nós sigamos, muitas vezes nós temos dificuldade em as pessoas perceberem que a Eucaristia, que a Missa, é algo em que elas participam.

Portanto, o Papa restringiu, no fundo, para dizer que, de facto, a forma regular de celebrar esse rito é a forma proposta do concílio, não para restringir os grupos que conduziam a missa em Latim, mas para dizer que, de facto, a Igreja deve crescer numa comunhão, numa formação litúrgica conforme o espírito do Concílio, e não em divisão.

CNN – Continuam a existir apoiantes dessa missa em Latim…
TN – A diversidade ritual da Igreja não é uma novidade. A Igreja sempre teve diversos ritos. Essas formas de celebrar devem contribuir para a união da Igreja e não para a divisão. É preciso averiguar o discernimento de cada bispo e de cada situação de modo a ver se, e em que medida é que, os fiéis que são representados nesse tipo de ritual não são um grupo à parte, nem um grupo especial. Isso é que é um problema que temos de enfrentar.

CNN – Há movimentos conservadores que tentaram pintar Francisco como um “Papa woke”, mas também há fiéis progressistas que sentem que as mudanças não foram suficientemente longe – por exemplo no tema da ordenação de mulheres como padres e a impossibilidade de homens casados serem ordenados. Acha que houve aqui uma tentativa de equilíbrio?
TN – Necessariamente. O papel do Papa é o de fazer comunhão. O Papa deve no seu exercício fazer tudo o que é possível para evitar divisões. É claro que, muitas vezes, os próprios grupos que existem e as pessoas na sua perspectiva, é que, de alguma forma dão rótulos e rotulam o Papa àcerca disto ou daquilo. Mas o Papa tem uma missão a cumprir, e essa missão deve-se estabelecer, tanto quanto a comunhão, fazendo com que as tensões próprias, não sejam divergentes, mas contribuam para o enriquecimento do todo. E, portanto, é claro, qualquer Papa terá sempre acusações, é natural. Porque muitas vezes o que as pessoas esperam não é propriamente esse exercício moderado, o exercício do ministério, mas que o Papa corresponda àquilo que são as suas expectativas.

CNN – Nestes temas, por exemplo, na ordenação de mulheres, na impossibilidade de homens casados serem ordenados também, acha que no futuro o Papa Francisco abriu a porta a que isso aconteça?
TN – Acho que houve passos importantes dados nestas questões e nas reflexões sobre estes temas. Na Igreja, as coisas demoram tempo a acontecer. Para haver consciência, é preciso termos maturado as questões e dos problemas. De facto, num tempo em que nós temos tanta polarização na sociedade, a Igreja não se pode dar ao luxo de ser mais uma instância de polarização. A Igreja tem que, de facto, caminhar com os pés assentes na Terra, ver, de facto, o que é que é importante para a sua missão no mundo.

A questão mais importante da Igreja e da sua missão no mundo não é se alguém pode ser ordenado ou não pode ser ordenado. É a preocupação em cumprir a sua missão, junto dos mais frágeis, junto com daqueles que mais precisam.

CNN – Na encíclica Fratelli Tutti, Francisco reitera que é inaceitável que cristãos tratem migrantes ou minorias como “menos humanos”. O que é que isto quer dizer de forma prática?
TN – O ser humano, dotado de uma dignidade infinita, como também expressa um documento recente da Santa Sé, de facto tem direito a conquistar uma terra. Tem direito a procurar o seu lugar na sociedade, tem direito a ter um emprego, a construir o seu futuro. A questão da migração e dos migrantes tem a ver, sobretudo, com esta dinâmica da pessoa dotada de uma dignidade infinita, tem direito a construir um futuro. E esse futuro tem a ver com a noção de que a realidade criada deve ser bem distribuída. De facto, deve haver justiça naquilo que é a utilização dos recursos naturais, dos recursos produzidos pela economia

E o Papa fez um trabalho importante no alerta de que a sociedade não garante as estruturas adequadas e justas. E que há aqui uma desregulação do ponto de vista da sociedade que não permite aquilo que são deslocações das pessoas de forma justa. Ou seja, quem vem à procura de um lugar, quem vem à procura de uma vida melhor, quem vem à procura de construir o seu futuro, deve ter condições para o fazer.

CNN – O tema da imigração tem se tornado muito apetecível em campanha eleitoral. E há muitos partidos e líderes políticos que defendem e que se dizem mais próximos do catolicismo, sendo abertamente a favor de restrições mais duras para imigrantes. Acha que a Igreja Católica sofre de aproveitamento político?
TN – Nós temos de considerar que há um certo número de católicos mais protecionistas que, necessariamente, defendem políticas mais protecionistas. E nós não podemos dizer que na Igreja Católica todos pensam da mesma forma relativamente à questão das migrações. Há católicos que, no fundo, têm uma visão mais autoproteccionista e isso não entra em conflito com a sua visão sobre a fé e com a sua fé, muito pelo contrário. Sobre o aproveitamento político, basta pensarmos nos Estados Unidos e em como o vice-presidente foi a última pessoa a ser recebida pelo Papa. É um católico convicto, mas que tem visões que estão em contradição com aquilo que é a moral social da Igreja, a sua perspectiva sobre a relação entre o Estado e tudo mais

E também há algum aproveitamento político por parte de alguns partidos, mas isso tem a ver com a sociedade em que vivemos, em que reina, muitas vezes, em que as pessoas têm dificuldade em abrir-se. Necessariamente, às vezes, há aproveitamento. É preciso que nós estejamos atentos também àquilo que são os modos como os partidos expostos se posicionam e sendo capazes também de ter uma postura inteligente e crítica para poder decidir e para poder discernir as situações. Agora, de facto, o Papa Francisco, quando falou de uma igreja em saída e de uma igreja voltada para as periferias, ele pôs no centro aquilo que era, de alguma forma, a pessoa e a pessoa naquilo que é a sua situação de ser valorizada. Porque o Papa não é nem de esquerda, nem de direita, mesmo que a postura da Igreja tenha necessariamente leituras políticas.

CNN – O padre é doutorado em Teologia prática. Alguma vez lhe pareceu que as ideias do Papa eram utópicas?
TN – Não. Penso que o Papa tem uma visão muito realista do ser humano, na sua fragilidade, na sua potencialidade, naquilo que o ser humano pode chegar. Mesmo naquilo que são questões mais fraturantes, sabia o que era necessário fazer. É claro que do ponto de vista daquilo que são alguns sonhos que o Papa tem, como o sonho da fraternidade, existe alguma utopia. Mas o Papa morre num tempo em que, por mais que ele tenha falado sobre isso e que muita gente o respeite, em que essa realidade de nós considerarmos o outro como igual, de não o olharmos com desconfiança, soa uma coisa quase utópica. Mas, mesmo que a gente viva no mundo como ele está, não podemos perder essa capacidade.

Fonte: CNN Mundo

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