Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial

Economia

Empresa entrou com um pedido de recuperação judicial nesta quinta-feira, uma semana depois da descoberta de um rombo nos balanços da empresa que elevou a dívida a R$ 43 bilhões.

A Americanas, gigante do varejo brasileiro, entrou com um pedido de recuperação judicial nesta quinta-feira (19), na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. A requisição, feita em caráter de urgência, serve para manter a solvência da empresa apenas oito dias depois da descoberta de um rombo contábil de R$ 20 bilhões em seus balanços corporativos.
Nesta manhã — depois de um derretimento das ações da Americanas na bolsa ao longo da semana e o início de disputas judiciais com credores em busca de pagamentos —, a empresa comunicou que mantém apenas R$ 800 milhões em caixa, o que torna a operação insustentável. A título de comparação, o valor é significativamente menor do que os R$ 8,6 bilhões reportados no terceiro trimestre de 2022.
O g1 reúne abaixo os principais episódios da semana de desmoronamento da empresa, em ordem cronológica.

11 de janeiro
A Americanas divulgou um fato relevante informando que havia identificado “inconsistências em lançamentos contábeis” nos balanços corporativos, em um valor que chegaria a R$ 20 bilhões.
Em outras palavras, a Americanas percebeu que o valor bilionário — que é referente aos primeiros nove meses de 2022 e anos anteriores — não havia sido registrado de forma apropriada.
Além disso, o texto informou que o presidente da companhia, Sergio Rial, deixou o cargo apenas 9 dias depois de assumir. O diretor financeiro da empresa, André Covre, também renunciou — ele havia tomado posse junto a Rial.
O documento divulgado pela companhia não trazia muitos detalhes sobre o que de fato foi encontrado nas contas, mas afirmava que a área contábil detectou “a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem (R$ 20 bilhões), nas quais a companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta de fornecedores nas demonstrações financeiras”.
12 de janeiro
Como consequência da revelação feita na noite de quarta, os investidores amanheceram em polvorosa. As principais instituições financeiras colocaram as ações da Americanas sob revisão, e a B3, bolsa de valores de São Paulo, colocou os papéis ordinários (com direito a voto) da empresa em leilão.

O leilão é um “mecanismo de defesa” que interrompe as negociações comuns para tranquilizar momentos de variação bruta de papéis na bolsa. Ainda assim, ao fim do pregão, a queda exata foi de 77,33%.
Um levantamento de Einar Rivero, do TradeMap, mostra que essa foi a maior queda diária de uma empresa de capital aberto desde 2008.
Sérgio Rial chegou a fazer uma conferência na manhã de quinta para esclarecer alguns pontos. “A primeira grande conclusão é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos”, disse.
O ex-presidente disse que a gênese do problema estava em operações de risco sacado. Trata-se de uma linha de crédito que faz uma triangulação entre a empresa, seus fornecedores e uma instituição financeira. Funciona assim:
Ao contratar o risco sacado, a companhia pede ao seu banco que ele realize o pagamento de uma compra com o fornecedor;
Assim, o banco quita o contrato em nome da companhia, que passa a dever para o banco com a cobrança de juros;
Pelo que se sabe até o momento, a Americanas fez contratação de risco sacado, mas as operações não foram registradas devidamente nos balanços contábeis;
No caso da Americanas, foram inúmeras operações ocultadas, subestimando o grau de endividamento da empresa.

13 de janeiro
Um juiz do Rio de Janeiro concedeu na sexta-feira (13) proteção à Americanas contra vencimento antecipado de dívidas, dando fôlego para a empresa enfrentar a crise. Foi o início de uma batalha judicial com os principais credores da empresa.
Naquele dia, atendendo ao pedido das empresas do grupo, o juiz Paulo Assed Estefan, da 4ª Vara Empresarial, afirmou ser “plenamente justificável o deferimento da medida, com vistas a evitar o exaurimento de todos os ativos da companhia por credores altamente qualificados, em detrimento dos demais credores, e, principalmente, da própria manutenção da atividade econômica”.
Segundo o juiz, eventuais alterações no balanço da varejista decorrentes do anúncio das inconsistências contábeis “poderão repercutir no grau de endividamento da empresa e no capital de giro mínimo (…) acarretando o descumprimento de cláusulas de covenants financeiros culminando no vencimento antecipado de dívidas da ordem de 40 bilhões de reais”. Entenda o termo.

O documento cita tutela “preparatória de processo de recuperação judicial” e dá o prazo de 30 dias para que a empresa avalie se vai pedir recuperação. Até lá, fica suspensa a obrigação da Americanas de pagar suas dívidas.
Também se descobriu que executivos da Americanas venderam quase R$ 212 milhões em ações da companhia durante o segundo semestre do ano passado, segundo cálculos da Reuters com base em informações divulgadas pela empresa ao mercado ao longo do período.
14 de janeiro
A Americanas publicou, no sábado (14), a íntegra da decisão sobre um pedido de Tutela de Urgência Cautelar da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.
No documento, a empresa afirma que a correção das inconsistências contábeis, cujo valor foi estimado em cerca de R$ 20 bilhões, levaria à revisão dos resultados financeiros de anos anteriores. Segundo a Americanas, os números referentes ao grau de endividamento e seu ao capital de giro seriam alterados.
Estava claro que a situação levaria ao descumprimento de contratos e ao vencimento antecipado e imediato de dívidas.
O banco BTG Pactual, um dos principais credores da Americanas, recorreu na Justiça contra a liminar que protegia a varejista por 30 dias contra vencimento antecipado de dívidas.

Os advogados do banco argumentaram que a liminar determina ilegalmente o estorno de um pagamento feito pela Americanas ao BTG Pactual, no valor de R$ 1,2 bilhão.

16 de janeiro
As ações da Americanas voltaram a desabar na segunda-feira (16), com os desdobramentos da decisão liminar de proteção contra credores. Os papéis da varejista recuaram 38,41% e encerraram o pregão cotados a R$ 1,94, patamar bem abaixo dos R$ 12, nível visto antes dos escândalos contábeis da companhia.
A Genial Investimentos afirmou que todos os pontos de valor da Americanas estavam indo “ralo abaixo”. E destacaram piora na alavancagem financeira, encarecimento do custo de capital, compressão de margens e dúvida sobre crescimento de receita, conforme nota a clientes.

17 de janeiro
O ex-presidente da Americanas Sergio Rial afirmou na terça-feira que sua saída da empresa se deu após “entrevistar executivos remanescentes, questionar e entender quaisquer preocupações e novas perspectivas” da alta gerência da empresa. Ele buscou afastar boatos de que ele sabia da fraude contábil.
“Nessas conversas, informações e dúvidas foram compartilhadas e com o natural aprofundamento para entendê-las e dar-lhes direcionamentos conjuntamente com o novo CFO, André Covre, chegamos ao quadro do fato relevante com transparência e fidedignidade! Quaisquer especulações ou teorias distintas disso são leviandades. Eu jamais transigiria com a minha biografia”, escreveu Rial, em uma rede social.
“Com a conclusão do diagnóstico inicial, surgiu a necessidade premente de correção de rota. E essa correção partiu da transparência e do apoio incondicional que recebi do CA e dos acionistas de referência”, diz Rial.
No mesmo dia, a agência de classificação de risco Moody’s cortou a nota de crédito da Americanas de ‘Ba2’ para ‘Caa3’ e a colocou sob observação negativa. A nova classificação indica que a empresa está sob risco de crédito muito elevado.
Os analistas Erick Rodrigues e Marcos Schmidt escrevem que a mudança ocorre após a companhia conseguir uma medida cautelar para suspender a cobrança de dívidas por parte dos credores.

Por fim, as notícias de que diretores e acionistas haviam vendido ações da Americanas antes do estouro do escândalo fez com que a B3 fornecesse dados para ajudar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a determinar se houve uso de informações privilegiadas (insider trading).
“Estamos repassando informações para a CVM para ajudar [a detectar se houve insider trading]”, disse Finkelsztain a jornalistas.
18 de janeiro
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) concedeu ao BTG Pactual, na quarta-feira (18), o direito de bloquear R$ 1,2 bilhão da Americanas.
A possibilidade de bloqueio serviu para que o banco pudesse se proteger de um eventual calote da Americanas. O aval, concedido pelo desembargador Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes, da 2ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro.
Divulgada na semana passada, a decisão da desembargadora Leila Santos Lopes ordenava ao BTG que devolvesse o dinheiro que já havia retirado da Americanas para pagamento de uma linha de crédito, congelando temporariamente o pagamento das dívidas da varejista e revertendo qualquer tentativa de execução por parte dos bancos credores.
O BTG havia declarado o vencimento antecipado da dívida após a varejista informar o rombo de R$ 20 bilhões. Na decisão de quarta, o desembargador Flávio Fernandes afirmou que apesar de a medida cautelar visar a proteção da atividade da empresa, “há necessidade de diligência” para evitar que essa medida seja usada como meio de fraude a credores.

O Pipeline, do jornal “Valor Econômico”, antecipou que a Americanas possuía apenas R$ 800 milhões em caixa e que uma recuperação judicial seria antecipada.
19 de janeiro
Em fato relevante, a Americanas confirmou as informações do Pipeline. No comunicado, a empresa confirmou os R$ 800 milhões em caixa, que significaria uma redução significativa contra os R$ 8,6 bilhões reportados no 3º trimestre de 2022.
Segundo relatório da XP Investimentos, o caixa da empresa é equivalente a cerca de 4 meses e meio de despesas com pessoal.
“A Americanas informa que, diante da atitude unilateral dos credores, sua posição de caixa atingiu R$ 800 milhões e parcela significativa deste valor está injustificadamente indisponível para a movimentação da companhia desde ontem”, disse a empresa.
“Diante disso, a Americanas se vê obrigada a trabalhar com a possibilidade de, nos próximos dias ou até potencialmente nas próximas horas, aprovar o ajuizamento em caráter de urgência de seu pedido de recuperação judicial”.
Por “injustificadamente indisponível”, a empresa atribui a situação à decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de bloquear R$ 1,2 bilhão da Americanas, a pedido do banco BTG Pactual.
No início da tarde, a Americanas entrou com um pedido de recuperação judicial na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

De acordo com o diretor financeiro da Spot Finanças, Marcello Marin, o pedido de recuperação judicial da Americanas se tornará o quarto maior da história do país, ficando atrás somente de Odebrecht, Oi e Samarco.

Fonte: G1