Ainda sem atendimento médico e alimentos na Terra Yanomami, lideranças relatam que situação ‘é para entristecer’

Brasil

Indígenas da comunidade Ketaa, considerados de recente contato, relataram ao g1 e a Rede Amazônica que estão tentando cultivar alimentos para sobreviver, mas ainda estão passando fome. O maior território enfrenta uma crise sanitária e humanitária sem precedentes.

“Está faltando [comida], é para entristecer. Nós estamos precisando das cestas básicas”. É assim que Korujito Yanomami, uma das lideranças indígenas da comunidade Ketaa, na Terra Indígena Yanomami, denuncia a falta de alimentos na região, mesmo diante de ações do governo federal para conter a crise sanitária e humanitária no território.
Na aldeia, localizada na região do Surucucu, os indígenas não conseguem caçar ou pescar pois não há mais peixe nos rios contaminados pelo garimpo ilegal, e o atendimento médico não tem chegado até a comunidade. A reclamação ocorre 40 dias após o Ministério da Saúde declarar situação de emergência na região.
Com cerca de 10 milhões de hectares distribuídos no Amazonas e em Roraima, onde fica a maior parte, a Terra Yanomami enfrenta uma das piores crises humanitárias da história em três décadas de demarcação.
Ainda sem a ajuda federal, os indígenas de Ketaa, uma área com presença de garimpo, estão tentando cultivar alimentos para sobreviver, mas ainda estão passando fome porque o alimento não cresce na terra contaminada.
Considerados de recente contato com a população não-indígena, os indígenas relataram ao g1 e a Rede Amazônica, que estiveram no território nos dias 8 e 9 deste mês de março, que estão tentando cultivar alimentos para sobreviver, mas ainda estão passando fome.

“Nós estamos tentando trabalhar nessa nossa terra a macaxeira, banana e a cana porque está faltando [comida], é para entristecer. Nós estamos precisando das cestas básicas para nos ajudar”, diz Korujito.

Na comunidade vivem cerca de 542 indígenas e, segundo as lideranças, eles precisam das cestas básicas que têm sido doadas desde que o cenário se agravou no território devido ao avanço do garimpo ilegal. A comida tem sido enviada às comunidade em cestas preparadas com alimentos saudáveis e culturalmente adequados, seguindo orientação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Segundo Korujito, a população também enfrenta problemas com os atendimentos de saúde no polo base Ketaa. A região tem unidades sem infraestrutura, como é o caso da unidade de Surucucu, considerada referência na região, mas que se resume a um barracão de madeira de chão batido e com estrutura precária.

“O nosso posto [de saúde] está muito feio. Faltam medicamentos para nos curar. As doenças têm aumentado muito aqui no Ketaa e nós, lideranças, ficamos muito preocupados. Quem nos ajuda?”, questiona.
Outra liderança, Samuel Yanomami, também explica que a unidade não possui medicamentos e que não há locais onde os internados possam dormir. “Está faltando muito medicamento, está faltando locais para internações no posto de saúde, falta rádio, gerador e quartos para dormir”.

No último dia 25, uma criança que morava na comunidade morreu com sintomas de pneumonia e desnutrição grave. A vítima foi internada no polo base de Surucucu, e estava sendo encaminhada para Boa Vista, onde receberia atendimento médico.

O corpo da criança retornou para a comunidade, para que os indígenas fizessem o ritual fúnebre da cultura Yanomami. “Morreu uma criança com bactéria e pneumonia. Pegou remoção para o Surucucu, ficou um dia lá, morreu e o corpo voltou para cá. Por isso, nós estamos muito preocupados”, relembra Korujito.
Ele explicou que o polo base de Ketaa não possui medicamentos e que, por conta das águas contaminadas por mercúrio, usado pelos garimpeiros para separar o ouro de outros sedimentos, os Yanomami precisam de atendimentos médicos regulares.
“Quem que contaminou nossa água? Foram os garimpeiros que contaminaram as nossas águas! Por isso, agora, nós estamos precisando de saúde. Aqui no Keeta está faltando muito medicamento”, disse.
Procurado pelo g1, o Ministério da Saúde informou que os atendimentos emergenciais na região de Surucucu são realizados pela Força Nacional do SUS em apoio às equipes locais do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) e que até a última quarta-feira (8), mais de 8,4 mil atendimentos médicos foram realizados na região.
“Desde o início das ações do governo federal no Território Yanomami, quando foi declarada a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), o Ministério da Saúde atua com ações emergenciais para salvar vidas, diante da grave crise sanitária e de desassistência encontrada no território. Neste período, a pasta já enviou mais de 100 profissionais pela Força Nacional do SUS, sendo 89 voluntários”, disse.

Maior território indígena do Brasil, a Terra Yanomami enfrenta uma crise humanitária sem precedentes, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa – problemas agravados pelo avanço de garimpos ilegais nos últimos quatro anos.

Desde o dia 20 de janeiro, a região está em emergência de saúde pública devido ao cenário de desassistência. Desde então, o governo Federal atua para frear a crise com envio de profissionais de saúde, cestas básicas e desintrusão de garimpeiros do território.
A invasão do garimpo predatório, além de impactar no aumento de doenças no território, causa violência, conflitos armados e devasta o meio ambiente – com o aumento do desmatamento, poluição de rios devido ao uso do mercúrio, e prejuízos para a caça e a pesca, impactando nos recursos naturais essenciais à sobrevivência dos indígenas na floresta.

Fonte: G1