O inconsciente na vida da graça em Santo Tomás

Igreja

EM SENTIDO CONTRÁRIO, segundo o livro do Eclesiastes: “Ninguém sabe se é digno de amor ou de ódio”. Ora, pela graça que toma agradável a Deus o homem torna-se digno de amor de Deus. Logo, ninguém pode saber que possui a graça que o toma agradável.

RESPONDO. Há três maneiras de se conhecer uma realidade. Primeiro, por revelação. Por este meio pode-se saber que se tem a graça. Deus, com efeito, concede a certos privilegiados esta revelação, dando-lhes assim, mesmo desde esta vida, a alegria da segurança para que realizem com mais confiança e força grandes obras e que suportem com mais coragem os males desta vida. É assim que foi dito a Paulo: “Basta-te a minha graça”.

Em segundo lugar, pode-se conhecer uma coisa por si mesma e com alguma certeza. Mas, deste modo, ninguém pode saber que possui a graça. Com efeito, para que haja certeza é preciso poder julgar segundo o princípio próprio do objeto a conhecer. Tem-se a certeza de uma conclusão demonstrável pelos princípios universais indemonstráveis. Mas, ninguém pode saber que possui a ciência de uma conclusão, se ignora o seu princípio. Ora, o princípio da graça, como seu objeto, é Deus que, por sua excelência, nos permanece desconhecido. “Deus é tão grande, diz o livro de Jó, que ele triunfa de nossa ciência”. Também sua presença em nós, como também sua ausência, não pode ser conhecida com certeza, como Jó ainda faz notar: “Se ele vem a mim, não o verei ; se ele se retira, não perceberei”. É por isso que alguém não pode saber, de ciência certa, que possui a graça, segundo a primeira Carta aos Coríntios: “Não me julgo a mim mesmo. Quem me julga é o Senhor”.

Finalmente, um objeto pode ser conhecido na forma de conjecturas, de acordo com certos sinais. Desta maneira, alguém pode saber que possui a graça, enquanto constata que encontra sua felicidade em Deus e despreza os prazeres do mundo; e também que tem consciência de não ter nenhum pecado mortal. É neste sentido que se pode entender o livro do Apocalipse: “Ao vencedor darei o maná escondido, ignorado de todos, exceto daquele que o recebe”, porque aquele que recebe conhece a seu respeito pela doçura que experimenta, a qual não é experimentado por aquele que não recebe. Entretanto, este conhecimento é imperfeito. Donde o Apóstolo dizer: “Minha consciência não me reprova nada, mas não é isto que me justifica”. E a palavra do Salmo: “Quem conhece suas faltas? Purificai-me, Senhor, das que me são ocultas”.
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QUANTO AO 2°, deve-se dizer que é da razão da ciência que o homem tenha a certeza do que tem ciência. Igualmente é da razão da fé que o homem esteja certo das verdades nas quais tem fé. A razão é que a certeza pertence à perfeição do intelecto, no qual os dons mencionados existem. Eis por que aquele que possui a ciência ou a fé está seguro que as possui. Mas, esta razão não vale para a graça, a caridade e os outros dons da mesma graça, que concorrem para a perfeição da potência apetitiva.

QUANTO AO 3°, deve-se dizer que o pecado tem por princípio e por objeto o bem mutável que nos é conhecido. Ao contrário, o objeto ou o fim da graça é por nós desconhecido, em razão da imensidade de sua luz, segundo a primeira Carta a Tito: “Ele habita em luz inacessível”.

QUANTO AO 4°, deve-se dizer que o Apóstolo, no textpo invocado pela objeção, fala dos dons da glória, que nos são dados em esperança e que conhecemos com uma certeza perfeita pela fé, se bem que não saibamos com certeza se possuímos a graça, que nos permite merecê-los. – Ou, então, pode-se dizer que fala do conhecimento privilegiado por meio da revelação, e por isso acrescenta: “Deus nos revelou pelo Espírito Santo”.

Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II q. 112, A. 5.