Testemunha falsa, delegado afastado e delação: as idas e vindas do caso Marielle até a prisão dos irmãos Brazão

Política

A Polícia Federal prendeu no domingo (24/3) os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, suspeitos de terem sido os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, em 14 de março de 2018.

Também foi preso Rivaldo Barbosa, que havia assumido a chefia da Polícia Civil fluminense na véspera do crime – e agora é suspeito de ter atrapalhado as investigações. A BBC News Brasil não conseguiu contato com a defesa de Barbosa.

O advogado Ubiratan Guedes, defensor do conselheiro do TCE do Rio Domingos Brazão, negou, na manhã deste domingo, envolvimento de seu cliente nos homicídios.

As prisões dos três ocorreram pouco após a homologação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da delação premiada de Ronnie Lessa, ex-PM que confessou ter executado o crime.

Integrantes de um dos clãs que dominam a política fluminense há décadas, os irmãos Brazão são respectivamente conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e deputado federal pelo União Brasil.

A base eleitoral da família – Domingos também manteve carreira como parlamentar – é na zona oeste carioca, disputada à bala por milicianos e traficantes nos últimos anos.

Foi a menção a Chiquinho que teria levado o caso para o Supremo, corte onde parlamentares federais têm prerrogativa de foro (processo e julgamento). Isso aconteceu depois que, por iniciativa do então ministro da Justiça, Flávio Dino, a Polícia Federal incorporou-se às investigações.

Segundo Lessa – o qual, segundo a Polícia Civil, havia sido excelente atirador do Batalhão de Operações Especiais e acabou levando para o crime o seu talento, tornando-se um assassino profissional -, o assassinato de Marielle foi motivado por disputas de terras na zona oeste.

Segundo uma fonte da PF ouvida pela BBC News Brasil, a morte teria sido encomendada por conta da resistência feita por Marielle e pela bancada do PSOL, o partido da então vereadora, a um projeto de lei que regularizaria condomínios na zona oeste do Rio de Janeiro.

A região é uma área de fronteira urbana. É cheia de terrenos cuja propriedade é contestada e com ocupação acelerada nas últimas décadas, com especulação imobiliária e construções ilegais, promovidas por quadrilhas de milicianos e traficantes.

Domingos Brazão já foi investigado por supostamente tentar atrapalhar as investigações do duplo homicídio, mas foi inocentado. O nome de Chiquinho não tinha sido mencionado antes nas apurações, pelo menos publicamente.

Ao longo dos anos, o caso foi recheado de idas e vindas, incluindo uma testemunha falsa que teria sido “plantada” para tentar incriminar um chefe de milícia no Rio, remoção de um dos delegados encarregados pelo caso e surgimento de diversos nomes de alguma forma implicados na questão.

A seguir, a BBC News Brasil detalha pontos desde o crime até o avanço das investigações, que culminaram na prisão dos irmãos Brazão.

As vítimas

Marielle Franco, socióloga e vereadora pelo PSOL

Marielle Francisco da Silva era vereadora desde 1 de janeiro de 2017. Cumpria seu primeiro mandato, eleita pelo PSOL em coligação com o PCB em 2016 com 46.502 votos. Recebeu três tiros na cabeça e um no pescoço, aos 38 anos, na rua Joaquim Palhares, no Estácio, região central do Rio de Janeiro, depois das 21h de 14 de março de 2018.

O atirador estava em um Cobalt prata, que deixou o local do crime em alta velocidade e nunca foi encontrado. O veículo, segundo apurou a Polícia, foi enviado pelos criminosos para desmonte. Graduada em Ciências Sociais pela PUC do Rio, tinha mestrado em administração pública pela Universidade Federal Fluminense, com tese crítica às Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs).

Negra e lésbica, nascida e criada no Complexo da Maré, um conjunto de favelas na zona norte carioca, militava contra a violência policial, pelos direitos humanos, em defesa da comunidade LGBTQIA+, pelo aborto legal e contra a discriminação racial. Foi, por dez anos, assessora do então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), criador da CPI das Milícias, em 2007.

Anderson Gomes, motorista

Anderson Pedro Mathias Gomes tinha 39 anos e não era o motorista oficial de Marielle. Desempregado, na noite do crime que também o mataria ele fazia um bico ao volante do Agile que servia à vereadora. Havia um mês trabalhava para a Marielle, substituindo o titular, que estava de licença médica. Era casado e pai de um menino, que tinha um ano e dez meses quando seu pai foi assassinado.

Fernanda Chaves, assessora

Era chefe de gabinete da vereadora e sobreviveu sem ferimentos graves. Estava no Agile conduzido por Anderson, sentada à esquerda de Marielle, no banco traseiro. Não foi atingida, porque os disparos foram dados na diagonal, concentrados na parlamentar, atingindo Anderson por estar na mesma linha reta.

Os mandantes, segundo a polícia

envolvendo mandantes e intermediários do crime. Na época, Ronnie Lessa teria apontado Adriano Magalhães da Nóbrega (do Escritório do Crime e àquela altura já morto) como autor do crime.

Henrique Damasceno (2021-2022)

Assumiu a chefia da DH-capital em julho de 2021. Trazia em seu currículo outro caso de repercussão, o da morte, provavelmente sob tortura e maus-tratos, do menino Henry Borel.

A criança morreu em 8 de março de 2021, com indicios de espancamento. A Polícia Civil indiciou e prendeu pelo crime a mãe do garoto, Monique Medeiros da Costa e Silva, e o namorado dela, vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Doutor Jairinho, com quem vivia.

Alexandre Herdy (2022 em diante)

O quinto delegado a cuidar do caso Marielle passou a comandar a Delegacia de Homicídios da capital em fevereiro de 2022. Substituiu Henrique Damasceno, que foi promovido a diretor do Departamento-Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa Humana.

O novo inquérito da PF
Menos de dois meses após assumir o Ministério da Justiça, Flávio Dino determinou a abertura de novo inquérito para investigar o caso Marielle.

Oficialmente, trata-se de uma “colaboração” com as autoridades locais, responsáveis pela investigação, que não foi oficialmente federalizada. Foi designado para comandar a apuração federal o delegado Guilherme de Paula Machado Catramby.

Foi essa colaboração que resultou na Operação Elpis (Esperança), que prendeu o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel. A delação premiada de Élcio de Queiroz foi outro resultado dessa colaboração da PF com o MP do Rio.

Os promotores do MP estadual
Homero das Neves Freitas Filho

Foi o primeiro promotor do caso Marielle, mas foi substituído ainda em 2018.

Simone Sibilio e Letícia Emile

Assumiram o caso quando Sibilio era coordenadora do Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) e denunciaram Lessa e o ex-PM Élcio Queirozà Justiça.

Elas permaneceram nas apurações com a criação de uma força-tarefa para o caso. Renunciaram, porém, à investigação em julho de 2021, por considerarem ter havido interferência externa que as excluiu da delação premiada de Júlia Lotufo, viúva de Adriano da Nóbrega.

Bruno Gangoni

Assumiu a coordenação do Gaeco, mas renunciou, assim como outros promotores que integravam o grupo. Foi um protesto contra o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, que não foi o mais votado na lista tríplice da corporação, mas aceitou convite do governador Cláudio Castro para seguir no cargo por mais um mandato.

Luciano Lessa

Assumiu a coordenação da força-tarefa que investica o caso Marielle. Em março de 2023, sete outros promotores foram designados para o grupo.

*Reportagem especial sobre Marielle Franco Produzida pela BBC Brasil